terça-feira, setembro 07, 2010

Umas no cravo e outras na ferradura

FOTO JUMENTO

Campo das Cebolas, Lisboa

JUMENTO DO DIA

Cavaco Silva

É aceitável e compreensível que um presidente que se recandidate tenha inevitavelmente de desempenhar o cargo ao mesmo tempo que o gere a pensar na recandidatura. O que não é aceitável é que um presidente que faz de conta que não é candidato tenha uma agenda que mais parece um roteiro permanente usando o cargo para promover a sua imagem ao mesmo tempo que ao se escudar nas funções presidenciais escapa ao confronto de ideias dos outros candidatos.

HÁ COISAS QUE NÃO ENTENDO

Enquanto o processo Casa Pia esteve em investigação foi um regabofe de violações ao segredo de justiça sem que isso tenha incomodado muito as nossas magistraturas. Agora que terminou o julgamento em primeira instância falam de crime de desobediência porque Carlos Cruz divulgou três vídeos. O que receava a juíza ao proibir a divulgação dos vídeos?

ESTRANHO

Quando o médico Ferreira Dinis foi condenado no processo Casa Pia a Ordem dos Médicos apressou-se a vir informar que poderia suspender o médico. Agora que está em causa o médico que cegou várias pessoas a mesma Ordem dos Médicos entre em debate com a ministra da Saúde dizendo que não tem competências para suspender o médico.

O BOLERO 'QUIZÁS, QUIZÁS, QUIZÁS"...

«Jorge Luis Borges, em Evaristo Carriego, faz Moshe e Daniel encontrarem-se no meio da estepe russa: "A onde vais, Daniel?", diz um. "A Sebastopol", responde o outro. "Mentes, Daniel. Dizes que vais a Sebastopol para que eu pense que vais a Nijni-Novogorod, quando tu vais mesmo para Sebastopol. Por que me está a mentir, Daniel?", lamenta Moshe... A ETA disse ontem que vai deixar de fazer atentados. O que interessa o que diz a ETA? Nem vale a pena sermos espertos como Moshe. O que a ETA quis dizer quando disse que deixava de fazer atentados é que pode ser que deixe ou pode ser que não deixe ou talvez enverede por uma situação intermédia que ela saberá justificar num próximo comunicado. Em 2006, ela fez a última declaração de tréguas antes da de ontem: depois disso, matou 12 pessoas, rearmou-se e continuou a fazer as extorsões aos industriais bascos que lhe enchem os cofres. A ETA tem uma vantagem de sinceridade sobre um pobre aldrabão judeu russo no meio da estepe: o que ela diz não conta nem para apanhar a mentira. Se a deixarem, ela fará o que tiver de fazer - e as suas palavras não valem nada. Se Borges, mestre da palavra, tivesse nesta tragédia de estudar alguém, mais valia que fosse o Governo espanhol. Zapatero é que se mostra céptico, sabendo que o que foi dito nada vale, mas com uma vontade doida de que, desta vez, quem sabe?, a ETA talvez... » [DN]

Parecer:

Por Ferreira Fernandes.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

AUDÁCIA E DESENCANTO

«No dia em que se escreve, não sabemos ainda que bomba política vai Pedro Passos Coelho (PPC) lançar no domingo, em Castelo de Vide.

O que sabemos é que qualquer que seja a potência e pontaria, a limitação dos prejuízos será a sua agenda das duas semanas seguintes. Assim aconteceu com o ultimato relativo ao 9 de Setembro, tal como havia ocorrido com a proposta de revisão constitucional. O 9 de Setembro passou de data de deflagração de um terramoto político a um prazo administrativo anódino, relativa aos poderes do Presidente na dissolução do Parlamento. O estampido de pólvora seca, seguido de geral surpresa, foi desmentido pelo próprio actor principal, em termos que não deixaram dúvidas e que não careciam de maior explicitação sobre o que pensava de tão anormal proposta. No caso da anulação da tendencial gratuitidade do SNS, argumentaram as hostes do PSD tratar-se de um abuso interpretativo. Nunca a proposta de nova redacção para o artigo 64 afastaria a universalidade no SNS. Pois não. Tal como não é necessário constitucionalizar o acesso "universal" de qualquer cidadão a um serviço privado, de saúde, de restauração, ou de vestuário. A questão está em que a palavra universal só toma sentido constitucional quando o acesso é determinado pela necessidade publicamente reconhecida e não pela capacidade individual de pagar. O sistema de saúde que os amigos de PPC lhe sopraram ao ouvido e até mesmo passaram a escrito, era uma proposta para substituir a universalidade ancorada na necessidade e quase gratuitidade, pela regra geral do pagamento no acesso, ainda que parcial, com a excepcionalidade de não recusa por insuficiência de meios económicos. Apesar dos esforços que os encartados constitucionalistas, ou outros por eles, tenham feito na opinião publicada e até junto de editorialistas de jornais que lhes são próximos, não conseguiram apagar o nitrato de prata do seu grafti.» [DE]

Parecer:

Por António Correia de Campos.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

SE ISTO NÃO É O POVO, ONDE É QUE ESTÁ O POVO

«Desta forma, segundo José Manuel Pureza, haveria uma «abertura para um Orçamento que representasse efectivamente a maioria do povo português e não creio que seja isso a que o Presidente se refere».» [TSF]

Parecer:

O líder do grupo parlamentar do PSD ainda está no tempo em que o povo era apenas os que mais berravam.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Pergunte-se ao pureza o que entende por maioria.»

NO MELHOR PANO CAI A NÓDOA

«Mike Weatherley, deputado conservador britânico, descobriu que a mulher trabalha como prostituta nos subúrbios de Londres. A brasileira Carla Weatherley cobra até 85 euros "para sexo com preservativo e sexo oral sem protecção."

A polémica estoirou depois do Sunday Mirror revelar o outro lado da mulher do deputado e envergonhou o primeiro-ministro, David Cameron, também ele conservador.

O semanário revela que Carla, de 39 anos, trabalha em três bordéis e que quando conheceu Mike, há mais de dez anos, no Rio de Janeiro, já o fazia. Porém, ao que tudo indica, o deputado nunca soube. » [CM]

AGOSTINHO OLIVEIRA, O FILÓSOFO

«O jogo com a Noruega, terça-feira em Oslo, pode "piorar ou talvez amenizar" o clima conturbado que se vive na Federação Portuguesa de Futebol, disse esta segunda-feira Agostinho Oliveira, seleccionador interino. » [CM]

Parecer:

Um momento alto do pensamento futebolístico.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Dê-se a merecida gargalhada.»

GALP LANÇA POSTOS DE GASOLINA "BARATA"

«Chama-se Galp Base e já está a funcionar num posto em Setúbal. Carlos Barbosa, presidente do ACP, diz que esta é a prova de que a gasolineira 'sempre pôde baixar o preço dos combustíveis'.

Numa tentativa de combater o preço da gasolina dos hipermercados, a Galp lançou um conceito do género, denominado Galp Base, com preços de combustíveis mais baixos.» [DN]

Parecer:

É a primeira vez que há um sinal de concorrência no mercado.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Aguarde-se por um comentário do presidente da Autoridade da Concorrência que em tempos disse que estava tudo bem no mercado.»

ILHÉU DA PONTINHA (FUNCHAL) PEDE A INDEPENDÊNCIA

«O proprietário do ilhéu da Pontinha, o rochedo no porto do Funchal que foi vendido pelo rei de Portugal em 1903, solicitou hoje ao Estado Português o reconhecimento daquele território como "Estado soberano e independente".

A pretensão de Renato Barros consta da carta que enviou aos Presidentes da República, da Assembleia da República, primeiro-ministro, ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna e Representante da República na Madeira, cujo conteúdo divulgou hoje. » [DN]

Parecer:

Agora é de esperar que convide o Paulo Teixeira Pinto para redigir a constituição do ilhéu.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Faça-se a sugestão»

CAVACO USA ORÇAMENTO NA SUA CAMPANHA ELEITORAL ENCAPOTADA

«"Um chumbo do Orçamento é coisa que não me passa peça cabeça." Palavras do Presidente da República, para quem a chave para a aprovação do documento "passa pela negociação, com todos os cinco partidos do Parlamento". Um aviso deixado no final de um dia de deslocação ao Douro Sul e em que desemprego, justiça e agricultura foram também motivo de "farpas" ao Governo.

"Eu próprio dei o exemplo do tempo em que fui primeiro-ministro para mostrar que um Orçamento é um documento que se negoceia, e isso deve ser feito com todos os partidos para que o País disponha de um Orçamento aprovado em tempo útil", avisou Cavaco Silva. Foi o último de uma série de avisos que começaram manhã cedo em Armamar, onde ontem Cavaco Silva começou o primeiro de dois dias de visita ao Douro Sul. Sobre a justiça, garantiu que está atento apesar de, "como Presidente da República, dever fazer as coisas de forma discreta". » [DN]

Parecer:

Cavaco já está em campanha e esqueceu-se de anunciar a sua recandidatura.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Pergunte-se a Cavaco quando anuncia a sua recandidatura.»

TEIXEIRA DOS SANTOS VENDEDOR AMBULANTE?

«Teixeira dos Santos chega a Macau nesta quinta-feira acompanhado pelo Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina, pelo Presidente do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, Alberto Soares, e também por Faria de Oliveira, presidente do Conselho de Administração da CGD.

De acordo com um comunicado do Ministério das Finanças, o ministro tem em agenda encontros bilaterais com os Governos de Macau e também de Hong Kong e contactos com as respectivas comunidades empresariais e financeiras. » [Jornal de Negócios]

Parecer:

Com o crescimento da dívida pública os ministros das Finanças começam a ser vendedores ambulantes de títulos da dívida.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Faça-se um sorriso amarelo.»

OBAMA PROPÕE GRANDES OBRAS PÚBLICAS PARA COMBATER O DESEMPREGO

«Obama anunciará, segundo a Bloomberg, um plano de construção de infraestruturas para impulsionar a recuperação da economia americana a orçar os 50 mil milhões de dólares (cerca de 3,8 mil milhões de euros).

O plano centrar-se-á no melhoramento de infra-estruturas de transportes existentes, como a renovação de estradas e aeroportos, investimento em sistemas de controlo aéreo, e na construção de raiz de outras valências, como o investimento em auto-estradas e no comboio de alta velocidade.» [Jornal de Negócios]

Parecer:

E esta?

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Dê-se conhecimento a Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho.»

QUEM QUSIER ENTRAR NOS EUA TEM DE PAGAR $14 ANTES DE EMBARCAR NO AVIÃO

«A entrada nos Estados Unidos passa a custar 14 dólares (10,8 euros ao câmbio actual) a partir de amanhã. Este preço será pago por todos os passageiros de países que, até agora, têm estado isentos de visto norte-americano, como é o caso dos portugueses.

As novas regras implicam que os passageiros que se desloquem para os EUA solicitem antecipadamente uma autorização denominada ESTA (Electronic System for Travel Authorization). Anteriormente este pedido era gratuito. Os 14 dólares podem ser pagos através de cartão crédito.

Um comunicado hoje divulgado pela Air France alerta que as autoridades norte-americanas proíbem o acesso a bordo a qualquer passageiro que não tenha cumprido esta formalidade obrigatória.» [Jornal de Negócios]

NO "ALBERGUE ESPANHOL"

Luís Menezes Leitão explicou a sua posição acerca da sua opinião em relação aos benefícios fiscais aplicáveis à despesas de saúde num post que tem o mérito de explicar o que se pensa sem recurso à demagogia. Assim o debate é mais saudável e esclarecedor e sugiro a leitura de todo o post

Antes do tema vejamos o que diz em relação à crítica aos termos demagógicos do post anterior:

«É muito fácil acusar os outros de demagogia. Só pergunto como deve ser qualificado o comportamento eleitoral de um partido, que teve na campanha eleitoral como uma das principais bandeiras a manutenção das deduções fiscais, criticando os seus adversários por as pretenderem eliminar, e apresenta essa proposta logo que regressa ao governo. Se isto não é enganar os eleitores, também não sei o que o seja.»

Este desafio deve ser endereçado ao PS, por mim não tenciono ser porta-voz de um partido de que não sou militante ou de um governo de que não sou de assessor. Não fico nada incomodado em ser metido no saco com "Câmara Corporativa" como não ficaria se a companhia fosse o "Albergue Espanhol" (desde que lá não estivesse a "borboleta"), mas se me quer inscrever como militante de um partido seria mais prático mandar-me a ficha. Só fui uma única vez confrontado com uma ficha (nos tempos em que a um funcionário promissor se sugeria a inscrição no partido e depois ia-se a uma mega exibição dos novos militantes numa sessão presidida pelo primeiro-ministro, lembra-se?) e muita pressão para a preencher mas não resultou, continuo partidariamente virgem.

Parece-me abusivo dizer que a manutenção das deduções fiscais tenha sido uma bandeira de qualquer partido, para sermos rigorosos convém lembrar que a questão ficou em evidência no debate entre Louçã e Sócrates e o que estava em causa era a proposta do BE de eliminar as deduções fiscais sempre que o serviço fosse prestado pelo Estado!

Mas vejamos a argumentação para manter as deduções fiscais tais como estão:

«Começa por se salientar que um trabalhador que ganha o ordenado mínimo nada pagará de imposto, até pela isenção do mínimo de existência consagrada no art. 70º do Código do IRS. Precisamente por isso não terá que se preocupar com as deduções a apresentar ao Estado, enquanto tiver esse rendimento. Mas se por acaso no futuro aumentar de rendimento, os juros que que tiver que pagar nos anos subsequentes são deduzidos à colecta do imposto em 30% (art. 82º nº1 c) do Código do IRS).»

Isto é enquanto não pagar mais impostos este trabalhador não pode beneficiar de uma "despesa negativa" consubstanciada numa dedução fiscal para recorrer aos mesmos cuidados de saúde de que pode beneficiar o mais felizardo. Compreendo que a redução de um benefício fiscal represente um aumento de imposto para os que as têm, ainda que estas deduções funcionem como uma devolução do imposto, mesmo assim, ao abdicar de uma parte do imposto o Estado decidiu co-financiar os cidadãos nas despesas de saúde na proporção da sua riqueza. O princípio é defensável, admito, mas é igualmente questionável. Poder-me-á dizer que as pessoas trabalharam e têm direito ao seu dinheiro, neste caso às deduções, mas nesse caso serão todos os impostos a estarem em causa.

Pessoalmente sou mais sensível a outros argumentos em favor da tese como o facto de o recurso à saúde privada se traduzir numa poupança para o Estado, argumento que, aliás, até vai mais em favor dos que defendem a promoção da medicina privada do que a linguagem do tipo "ir ao bolso" que está agora em voga.

De qualquer das formas este debate chega um pouco atrasado, a limitação das deduções está prevista no Pacto de Estabilidade e Crescimento acordado 2010-2013 entre o PS e o PSD:

«Limitação Global das Deduções à Colecta de IRS em Função do Rendimento Colectável

As deduções à colecta do IRS possuem actualmente um valor semelhante para todos os contribuintes, independentemente do escalão de rendimentos em que estejam enquadrados.

O valor global das deduções à colecta será diferenciado tendo em consideração o rendimento colectável dos contribuintes. Para o efeito, estabelecem-se limites (correspondentes a uma percentagem do rendimento colectável) para cada um dos escalões de rendimentos.

Excluídos desta regra transversal de limitação, ficam os dois primeiros escalões do IRS, as deduções à colecta personalizantes (relativas aos contribuintes, dependentes e ascendentes) previstas no artigo 79.º do Código, e bem assim, as relativas às pessoas com deficiência.

Limitação Global dos Benefícios Fiscais em Sede de IRS em Função do Rendimento Colectável

Os benefícios fiscais podem actualmente ser deduzidos à colecta do IRS em montantes variados,
independentemente do escalão de rendimentos em que se enquadram os contribuintes.

O valor global dos benefícios fiscais deduzidos à colecta será limitado em função do rendimento
colectável dos contribuintes, estabelecendo-se para o efeito limites (correspondentes a uma percentagem do rendimento colectável) para cada um dos escalões de rendimentos. Com esta medida, acolhe-se regra equivalente à que actualmente vigora, já, em sede de IRC.»

Fico um pouco confuso quando os mesmos que agora se esquecem do que assinaram venham exigir ao governo uma avaliação do impacto de medidas que entraram em vigor há semanas e de cujas consequências ainda nem deverá haver registo contabilístico que permita a sua avaliação, sejam os mesmos que se batem contra outras medidas com que também acordaram, façam de conta que o tema é de ontem e optem por recuar ao debate da campanha eleitoral.

Compreendo que Pedro Passos Coelho tenha um projecto para o sector da saúde (à vezes até fico com a impressão de que em vez de ser candidato a primeiro-ministro é candidato a ministro da Saúde) aceito que não tenha pensado muito bem no assunto quando negociou o PEC (o que não é de estranhar pois também não pensou muito quando encomendou um projecto de revisão constitucional), em limite até admito que este é um tema que merece a reflexão que não mereceu por parte do PSD quando assinou o PEC. Mas muito mal está um país quando os acordos são para esquecer e os compromissos internacionais para desrespeitar.

DANIEL MONTERO