Ninguém reparou que uma das causas possíveis poderá ter sido o alarde público que se fez da intenção de cortar na despesa o que deu lugar a um movimento colectivo de antecipações despesistas na Administração Pública. Enquanto o governo decidiu e não decidiu dar instruções aos serviços públicos é muito provável que muitos directores-gerais, presidentes de institutos e autarcas tenham gasto o que podiam antes que fosse tarde.
Há decisões primeiro são tomadas e só de pois são divulgadas, os cortes na despesa são uma delas. Muitos dirigentes da Administração Pública comportam-se alheios ao facto de a despesa pública ser paga pelos contribuintes com impostos ou na hora de cortar nas despesas deve ser o vizinho ao lado a dar o exemplo. A única excepção são as direcções-gerais da Administração Tributárias, o investimento nessas não dá votos e como estão sob a alçada do ministro das Finanças são chamadas a dar o exemplo. O ridículo da situação é que na hora em que o país precisa de combater a evasão fiscal como do pão para a boca os primeios serviços públicos a ficarem sem recursos é precisamente a Administração Fiscal, onde no passado muitos funcionários chegaram ao ridículo de terem de levar de caso o papel higiénico.
Está-se mesmo a ver o que poderá ter sucedido quando governo e PSD começaram a negociar um PEC onde se previa o corte na despesa, muitos directores-gerais anteciparam-se e remodelaram o gabinete, lançaram o concurso de admissão de funcionários, mudaram o carro, compraram fotocopiadores novas, abasteceram o stock de consumíveis, compraram até ao limite do admissível pelas regras orçamentais. É um pouco o que sucede no fim do ano, não há direcção-geral que não gaste o seu orçamento até ao último tostão, é a forma de assegurar que no ano seguinte os orçamentos não sejam alvo de cortes.
Algo tem de mudar na cultura da Administração Pública e muito provavelmente na forma como os dinheiros são distribuídos pelos serviços públicos. Há uma cultura de despesismo, as distribuição dos dinheiros obedece aos objectivos eleitorais ou ao peso político dos ministros e não há um controlo rigoroso do que se gasta, os controlos feitos visam saber se as compras obedecem às regras, ninguém avalia as decisões. Nas empresas existem órgãos internos que desempenham esta função mas no Estado os directores-gerais são soberanos e não respondem pelas suas decisões.
Talvez seja a hora de avaliar o desempenho dos famosos “controladores financeiros” designados para cada ministério pelo ministro das Finanças. Talvez devessem ser eles a explicar o que fazem e como a despesa aumentou exponencialmente em dois meses.