quinta-feira, março 26, 2009

A crise que lava a crise

Graças à crise financeira o país deixou de estar em crise, deixou de haver qualquer debate sério sobre os problemas da economia portuguesa, tudo agora é analisado numa perspectiva de curto prazo, como se todos os males que nos afligem fossem consequência da crise financeira. É como se esta crise lavasse todas as nossas crises.

Se há uns meses discutíamos se o novo aeroporto seria mesmo necessário e qual a localização mais adequada, agora este investimento é justificado pela necessidade de relançar a economia ou contestado porque o apoio às pequenas e médias cria mais emprego do que as grandes obras públicas. Se Cavaco questionou este investimento na perspectiva da sua localização, chegou mesmo a estimular estudos para apurar qual a melhor solução, agora já defende que os investimentos públcios devem ser analisados sob a perspectiva dos custos benefícios, metodologia que deverá ter sido ser uma inovação teórica recente pois ninguém o ouviu falar de tal critério quando era primeiro-ministro e dedicava os seis últimos meses dos seus mandatos a fazer inaugurações.

Esta mistura de crise e proximidade de três actos eleitorais levou a um verdadeiro regabofe em que todos os argumentos servem para apoiar ou reprovar medidas. O PSD já se opôs a todas as obras, já defendeu que devem ser decididas em conjunto pelo PSD e PSD (depois a Manuela Ferreira Leite defenderia que deve ser a oposição a fazer opções, tal como fez em relação ao Provedor de Justiça), já disse que não há dinheiro, agora acha que todas as obras públicas devem ser decididas pelo governo seguinte. Aprovou o TGV quando era ministra, agora é contra o TGV mas na verdade gostaria de ser ela a aprová-la na qualidade de primeira-ministra, mais parece que está a pensar nas comissões do que no interesse do país.

O governo que justificava todos os grandes projectos com estudos científicos demolidores opta agora por justificar tudo com a necessidade de combater a crise, como se os mesmos não tivessem sido decididos muito antes da crise financeira.

A forma como os partidos, do CDS ao Bloco de Esquerda, estão a abordar a crise revela o oportunismo de uma classe política que só está preocupada com o poder, com o número de deputados, com o número de boys que coloca, com as comissões que os seus amealham, com o financiamento das suas actividades ou com o tempo de antena que conseguem. O governo tudo faz para combater ou disfarçar o desemprego, a oposição torce para que mais portugueses fiquem desempregados, o governo sonha com a recuperação económica e inventa programas para nos convencer de que tudo faz para a alcançar, a oposição anseia por mais más notícias.

Esta crise tem a virtude de mostrar como os partidos estão mais interessados nos benefícios do poder do que na situação do país e dos portugueses. Se para o PCP esta crise lhe proporcionar mais duas ou três autarquias então que venham mais cem mil desempregados e umas falências, e este raciocínio não é um exclusivo do PCP, de uma forma ou de outra é assim que todos os nossos políticos raciocinam.