terça-feira, março 10, 2009

Reguladores de gente fina

Imagine que a partir de agora a ASAE alterava o seu modus operandi, que para se certificar que um restaurante ou uma mercearia verificam todas as normas de higiene em vez de mandar uma equipa de inspectores inspeccionar os locais enviava um ofício solicitando informações. O restaurante ou a mercearia responderia informando os resultados de uma auditoria interna à higiene dos estabelecimentos devidamente acompanhada de uma carta do contabilista confirmando essas informações.

Imagine-se, por exemplo, que a ASAE estava preocupada com a hipótese de o peixe congelado vendido nos hipermercados pois sabe-se que muitas vezes a espécie não corresponde à indicada nas embalagens, nem sempre o peixe é congelado nas melhores condições e, como se tudo isto não bastasse, uma boa parte das embalagens colocadas no mercado vendem água ao preço do peixe. A ASAE ficaria tranquilamente a aguardar uma resposta que poderia chegar seis meses depois, sendo certo que as auditorias internas dos hipermercados assegurariam a qualidade e honestidade dos produtos, garantiriam que todos os seus produtos são sujeitos a rigorosos controlos de qualidade e, como se tal não bastasse, ainda contratavam veterinários externos cujos pareceres anexados.

Entretanto, os inspectores da ASAE não precisariam de sair dos seus gabinete a não ser para ministrar aulas de biologia, qualidade alimentar e outras matérias nas universidades. Como as suas funções são altamente complexas receberiam muito acima da média dos portugueses e para assegurar que estariam a par de todas as evoluções tecnológicas ainda receberiam um subsídio extra. Beneficiando das taxas cobradas por conta da sua intensa actividade inspectiva criariam um fundo de pensões que para além de assegurar uma reforma confortável aos seus administradores ainda poderia financiar a taxa zero o crédito à habitação dos seus esforçados funcionários.

É evidente que tudo correria bem, de vez em quando alguém questionava as mordomias mas o assunto seria rapidamente esquecido ou abafado, a bem da confiança dos consumidores. Tudo correria bem até ao dia em que a bandalhice fosse tão grande e tantos os portugueses com diarreia (caganeira, como diria o deputado Eduardo Martins) que qualquer turista que viajasse de avião se aperceberia que estava entrando no espaço aéreo português sem ter de olhar pela janela.

Ora é mais ou menos assim que actua o Banco de Portugal e as consequências estão à vista, os bancos que não estão com diarreia estão com prisão de ventre. Vivemos num país onde um pequeno comerciante pode ser multado porque o preço que estava na caixa da fruta caiu para o chão, mas nenhum banco é penalizado porque engana os seus clientes aldrabando-o quanto à natureza dos produtos financeiros, como se estivesse vendendo tainhas dizendo que eram robalos. Mais grave, os bancos puderam fazer tudo isso durante anos sem qualquer controlo do Banco de Portugal.

Quantas queixas de clientes de bancos foram atendidas pelo BdP, quantos bancos foram inspeccionados na sequência dessas queixas, seria interessante se o BdP divulgasse este tipo de dados, para sabermos se enquanto regulador merece a confiança dos portugueses. A verdade é que os portugueses foram roubados durante anos nos arredondamentos perante a passividade do BdP.

Em Portugal temos dois tipos de organismos reguladores, o dos pobres, como a ASAE, e o dos ricos, como o BdP, a CNVM ou a ANACOM. Uns aplicam a lei de forma dura e até chegam a exagerar, os outros inspeccionam as empresas nos intervalos dos cocktails.