segunda-feira, novembro 19, 2007

Os milagres do liberalismo


Ao ler um artigo de Sarsfield Cabral publicado no Público lembro-me de como os liberais conseguem verdadeiros milagres económicos, basta que parte das funções assumidas pelo Estado fossem transferidas para o sector privado para que milagrosamente se transformassem de despesa em criação de riqueza.

«Mas importa evitar ligeirezas quando se critica o facto de o Estado absorver quase metade da riqueza nacional criada cada ano. Só os gastos da segurança social levam mais de um terço da despesa corrente primária (despesa sem juros nem gastos de investimento, valendo 86 por cento da despesa pública total). Incluindo outras verbas de índole social, quase metade daquela despesa vai para prestações sociais. Ou seja, boa parte dos gastos públicos é dinheiro que o Estado tira de uns para dar a outros.»

O artigo começa por chamar a atenção para o peso das despesas sociais na despesa pública. Mas o que me impressiona é que se diga que o Estado absorve quase metade da riqueza nacional, no pressuposto de que tudo o que o Estado produz é destruição da riqueza nacional. Os nossos liberais na essência são fisiocratas. Assim como os fisiocratas do século XVII viam na agricultura a única forma de criar riqueza, os nossos liberais apenas consideram como riqueza a que é produzida no sector privado, apenas este tem o dom de criar excedente que, em economias como a portuguesa, são absorvidas na actividade improdutiva do Estado.

Os funcionários públicos são trabalhadores improdutivos cujos altos rendimentos são suportados pelos trabalhadores e empresas do sector privado, o Estado consome riqueza e o sector privado produz riqueza.

Assim, se, por exemplo, um hospital for privatizado os seus trabalhadores deixam de ser funcionários públicos e a sua gestão passa a contemplar a viabilidade e, por conseguinte, o lucro com que será remunerado o capital passa a ser o principal objectivo da sua gestão. Estamos, portanto, perante um verdadeiro milagre económico, onde dantes se consumiam os recursos do sector privados através dos impostos que financiavam o hospital, passou a haver criação de riqueza, o orçamento do hospital deixou de ser um encargo para que o somatório dos rendimentos do trabalho e do capital passem a ser considerados riqueza produzida.

O raciocínio considerado no caso do hospital poderia ser aplicado a quase todas as actividades do Estado desde os estabelecimentos prisionais que poderiam ser explorados como unidades hoteleiras até às forças armadas pois, como sucede no Iraque, uma boa parte da sua actividade poderia ser desempenhada por empresas privadas.

De um dia para o outro deixaríamos de ter funcionários públicos malandros e serviços públicos que parasitam a riqueza nacional, para passarmos a ter empresas privadas exemplares.