Se questionar a legitimidade de governar com 36% dos votos é um exercício intelectual legítimo, também o será questionar se deve ser Sócrates a escolher todos os membros do governo ou se deve limitar a escolher apenas um terço do governo ficando a escolha dos restantes a quem representa os restantes eleitores. Mas se é legítimo colocar este tipo de questões com 36% porque não o fazer com qualquer resultado eleitoral? Não vejo nenhum motivo que justifique adoptar os programas dos partidos da oposição apenas por uma margem de 8% dos votos, os necessários para a maioria absoluta. Se no plano dos princípios a proposta de Manuela Ferreira Leite é válida também o seria no caso de o partido no poder contar com uma maioria absoluta. Só não o seria se fosse o PSD a governar, Cavaco Silva já governou com 35,11% dos votos e não me recordo de o ouvir falar em unidade, pactos de regime e, como se sabe, nem se dava muito ao trabalho de ir ao Parlamento. Bem, também não me recordo de a UDP, PSR ou PCP se terem batido tão violentamente contra as maiorias absolutas da direita, mas isso são contas de outro rosário.
Se no plano dos princípios é possível especular sobre a solução defendida pela líder do PSD, resta saber como poderia ser implementada. Por exemplo, o ministro da Economia deveria adoptar do programa do PSD o apoio às PME, do PCP o apoio às micro-empresas e do programa do BE a expropriação das empresas do sector energético? No domínio da energia seria de esperar a continuação da aposta nas energias renováveis, a construção de uma central nuclear por conta da direita e a oferta de bicicletas para atender às preocupações do BE. Não imagino o que fazer em relação às chamadas questões fracturantes, imagino que para atender à direita o PS deveria voltar a condenar o aborto, em nome do BE legislaria sobre a adopção de crianças por casais homossexuais cuja legalização tinha sido viabilizada pelo PS com o apoio do BE e do PCP.
Calculo que nesta situação todas as votações seria adoptadas por consenso e unanimidade, o que deixaria Cavaco e o seu clube de assessores, os Belenenses de Boliqueime, felizes com tanta unidade nacional. E o que fazer nas próximas eleições, contra quem votaríamos? Bem, votaríamos contra a maioria relativa de Sócrates e não faltariam motivos, pela opção nuclear, pelo fim da instituição família, pelas expropriações, etc.. Em alta ficaria Cavaco Silva, por ter conseguido a unidade nacional.