A questão está em saber que a causa dos défice é a mesma ou se a correlação é meramente casual, ou ainda se a existência de um défice origina o outro. Admitir que existe uma correlação entre os dois fenómenos por terem as mesmas causas implica considerar que as medidas de política económica a adoptar devem ter por objectivo resolver os dois problemas. Não me parece que assim seja, a causa dos défices é distinta ainda que na aparência os problemas apareçam frequentemente associados, como se fossem as duas faces da mesma moeda.
As causas do nosso défice externo são evidentes, falta de recursos naturais que nos levam a depender da importação de matérias-primas e, principalmente, de energia, indústria pouco competitiva, défice da produção alimentar e exportações com baixos índices de valor acrescentado. Não há correcção do défice que nos torne auto-suficientes em energia ou produtos alimentares.
Por outro lado, o défice das contas públicas resulta da ineficácia da Administração Pública que obriga a maior despesa do que seria necessária para produzir os mesmos serviços e elevados níveis de evasão e fraudes fiscais Acrescente-se o défice histórico na qualidade dos serviços que levou o país a recuperar em poucos anos um atraso de décadas, isso sucedeu, a título de exemplo, na modernização das infra-estruturas do saneamento básico, nos sistemas de ensino e de saúde ou nas infra-estruturas rodoviárias e de telecomunicações. Acrescente-se a isto uma demografia, geografia e ordenamento urbano que exigem maiores investimentos públicos.
Antes de qualquer debate de política económica é importante realçar que enquanto a superação do défice externo depende das decisões dos agentes económicos, o défice das contas públicas depende em grande medida de decisões políticas. Brevemente vai ser discutido o Orçamento do Estado no parlamento e os mesmos liberais que defendem a geminação dos défices defenderiam que ali não seria o local adequado para discutir um défice que depende das decisões dos agentes económicos, a não ser que fosse possível voltar ao templo dos planos de fomento, do condicionamento industrial e do licenciamento das importações.É evidente que se Portugal superasse o défice externo isso significaria que teria conseguido alcançar elevados níveis de eficiência na utilização da energia, que teria vencido o problema da falta de qualificação dos recursos humanos e os produtos exportados teriam uma forte componente de valor acrescentado e que havia conseguido diversificar a sua produção industrial com níveis de qualidade e de eficácia que não só resultariam no aumento das exportações como na substituição das importações. Mas para que tal fosse possível teria sido necessário um forte investimento do Estado no ensino e qualificação profissional, na investigação e nas infra-estruturas de apoio à actividade empresarial.
Geminar os défices com o objectivo de resolver os dois problemas em simultâneo implica recorrer às soluções liberais mais extremas, o que implicaria aumentar a competitividade sem modernizar o país e isso só se conseguiria à custa do preço da mão de obra, isto é, implicaria apostar num modelo económico miserável e gerador de miséria, o mesmo modelo que é o grande responsável por termos empresas que agora exigem baixos salários para assegurarem a sua competitividade em mercados onde há muito que deveríamos estar ausentes.