Independentemente da forma duvidosa como alguém tem usado e abusado da informação do processo Face Oculta para atingir ilegitimamente o regime democrático, algo que um dia destes Pinto Monteiro deverá prestar contas ao país que confiou nele, aquilo que tem vindo a público evidencia que a corrupção já não se limita a actos isolados. Como aqui já denunciei há sectores da sociedade portuguesa onde os gangs corruptos não se ficam por expedientes, gerem imensas teias de influências e asseguram-se de que está gente sua à frente de postos chave das organizações. Um segundo aspecto a ter em conta reside no facto de neste caso a corrupção se situar em empresas do Estado ou com participação de capitais do Estado.
Quando se discute a corrupção a comunicação social tende a privilegiar dois tipos de factos, os montantes dos ganhos e a participação de nomes sonantes. Como anda por aí muita gente nos corredores da justiça empenhada em colocar um governo que lhes aumente a mordomia está garantido que muitos nomes serão emporcalhados na praça, basta que a PJ apanhe um “suspeito” a falar com um governante, um primo afastado de um governante ou mesmo a referir-se a um governante para haver matéria picante. Num país pequeno como o nosso, onde toda a gente se conhece, a tarefa é muito fácil.
Mas mais preocupante do que aquilo com que os magistrados andam entretidos são as consequências de uma cultura de corrupção que há muito está instalada na sociedade portuguesa, quase dá para sugerir que quem nunca tenha alinhado no sistema ou tido um comportamento que o facilita que atire a primeira pedra. As nossa elites, sejam quais forem, usam e abusam das suas relações para obterem benefícios, apenas os mais pobres que são excluídos do imenso manjar que alimenta a vaidade material das nossas elites e algumas pessoas honestas, que são cada vez menos, não tiram partido dessa cultura corrupta que está impregnada na nossa sociedade.
Fala-se muito de corrupção no Estado, mas quase se esquece da corrupção nas e entre empresas, dos muitos milhares de gestores e chefias intermédias das empresas privadas que obtêm ganhos ilegítimos à custa das empresas onde trabalham. Não foi há muito tempo que um grande grupo de distribuição despediu dezenas de funcionários.
Fala-se muito de competitividade e de corrupção, mas ninguém se lembra de questionar em que medida os dois fenómenos estão associados, associa-se a competitividade ao salário mínimo e a corrupção aos carros de luxo da classe política. Mas qualquer cidadão deste país que constitua uma empresa conhece a via sacra que começa nas licenças e acaba num mundo de negócios onde, não raras vezes, a qualidade e os preços são os factores mais considerados.
A corrupção de titulares de cargos políticos e de dirigentes do Estado, que tanta fama tem dado a algumas personalidades da praça, não passa de uma parte de um fenómeno bem mais vasto e com graves consequências para o desenvolvimento do país. Da mesma forma que no Estado ou na política dificilmente se singra sem o apoio de gente duvidosa, também na economia as empresas que recusem o sistema, seja nos negócios com o Estado ou com outras empresas, dificilmente sobreviverão.
O país carece de um debate sério sobre este tema, sem ser condicionado pela estratégia corporativa da justiça, até porque os últimos grandes processos ainda não provaram a corrupção de políticos mas as fugas ao segredo de justiça são tantas que é evidente a corrupção da nossa justiça. Quem dá informação aos jornais não o faz por generosidade, fá-lo para obter proveitos, sejam políticos, corporativos ou materiais.