quarta-feira, novembro 18, 2009

Algumas dúvidas em tempo de bandalheira de princícios

Pode e deve ser escutado se for suspeito e não para que essas escutas se tornem em si um motivo de suspeita, se vier a comprovar-se qualquer crime deve ser formulada acusação, caso contrário as escutas devem ser destruídas. Sem acusação qualquer acusação ou provas suficientemente fortes para virem a sustentar uma acusação não se deve tornar público o que está ou foi escutado.

Se, por hipótese, Sócrates for mesmo o criminoso que alguns pretendem (nem que o seja à força e por conveniência de políticos incompetentes ou de revisores do comunismo que pretende substituir a execução sumária do Czar pelo julgamento sumário do primeiro-ministro) tornar o caso público só serve para dificultar a investigação ou proporcionar ao suspeito da destruição de provas. Ora, duvido muito da generosidade dos que estão Sócrates deve estar acima de qualquer suspeita?

Sócrates, como qualquer cidadão, não pode estar acima de qualquer suspeita, nem o cargo que exerce pode servir para inibir a justiça. Mas da mesma forma que não pode estar acima de qualquer suspeita também não se pode usar a justiça para montar armadilhas sistemáticas para que seja socialmente tratado como suspeito sem que alguma vez se produzam provas das suspeitas que são lançadas.

Mas não é só Sócrates que não pode estar acima de qualquer suspeita, também os magistrados não estão pois, tanto quanto se sabe, o Centro de Estudos Judiciários ainda não ministra aos seus pupilos qualquer vacina que os torne imunes aos males humanos. Aliás, o comportamento de confraria, o convencimento de que são uma casta superior da sociedade, o compadrio dos colegas e uma organização em auto-gestão favorece a existência de dúvidas sobre se os magistrados merecem confiança.

Se ainda não foi provado qualquer crime contra Sócrates é um facto de que foram cometidos muitos crimes de violação de segredo de justiça que tiveram como objectivo destruir personalidades políticas. Tanto quanto se sabe estes crimes vão ficar tão impunes como as ofensas recentemente feitas por um magistrado do MP que ofendeu um polícia e foi “perdoado” por um colegas. O país não pode confiar numa instituição que tem por objectivo assegurar que há justiça mas fecha os olhos quando os crimes são praticados pelos seus.

Se Sócrates tiver cometido um crime deve ser levado a tribunal?

É evidente que sim, é no tribunal que se prova a culpa ou a inocência, é no tribunal que o acusador tem que provar a acusação que fez e demonstrar que obteve as provas por métodos ilegais, assim como o arguido tem o direito de se defender e provar a sua inocência. São direitos que a humanidade conquistou ao longo de anos e que no caso português apenas existem há trinta anos.

Ao longo da história foram muitos os casos de justiça sumária, de tribunais que obtinham as provas com recurso à tortura ou onde os arguidos não podiam exercer direito à defesa. Portugal tem um passado triste neste domínio, não só a Santa Inquisição dominou por muitos anos como, mais recentemente, tivemos os tribunais plenários onde os arguidos eram agredidos em plena sala de audiências por agentes da PIDE mediante a complacência dos magistrados, os mesmos magistrados que nunca foram julgados pelos seus crimes, que a ditadura alimentou a cobardia com mordomias e que a democracia não reeducou.

O segredo de justiça faz sentido?

Não é só as polícias, com estatuto de magistrado ou não, que estão sujeitas ao segredo de justiça, os suspeitos também o estão. Com o segredo de justiça pretende-se preservar o bom nome dos cidadãos e assegurar que a investigação não pode ser perturbada. Se são os investigadores que promovem a fuga ao segredo de justiça isso significa uma de duas coisas ou mesmo as duas: que não estão muito interessados em preservar o bom nome dos cidadãos de que suspeita e que não estão muito interessados no sucesso da sua investigação.

Então teremos de concluir que as fugas ao segredo de justiça visam substituir o papel dos tribunais, muito antes de qualquer acusação o suspeito, que até pode nem sequer ser arguido, já viu o seu bom nome destruído na praça pública. Ainda antes de qualquer acusação o suspeito, eleito enquanto tal por polícias, já carrega o estigma da culpa, a vergonha do crime que não cometeu, sentimentos que passam para familiares incluindo crianças.

Esta prática tem um nome, fascismo, e os que a praticam são fascistas e como todos os fascistas são igualmente cobardes pois fazem-no de forma sistemática sem darem a cara e ainda se protegem com um dos valores mais queridos da democracia, a protecção do segredo de jornalistas, neste caso jornalistas que não o são, são bandalho que asseguram o seu ordenado vendendo papel sujo.

Aliás, estamos perante uma prática pior do que a dos tempos do fascismo, dantes os acusados ainda tinham direito a uma farsa de julgamento onde podia contar com advogados corajosos que tinham de enfrentar a PIDE e os magistrados. Agora as polícias julgam na praça pública sem respeitarem quaisquer direitos dos visados, aliás, se algum arguido abrir a boca é logo acusado de violar o segredo de justiça a que está sujeito, ou arrisca-se à vingança das magistraturas no momento do julgamento.

Deve haver limites à investigação?

Nas democracias modernas as polícias estão sujeitas a medidas rigorosas de controlo interno, existem mesmo polícias de costumes dentro dessas organizações com o objectivo de evitar os abusos policiais. Em Portugal não há nada disso, a prática é a do encobrimento corporativo, o que se come em casa não se diz na rua.

Nesta condições quem nos assegura que não há cidadãos a serem investigados ilegalmente e que após se ter produzido uma qualquer suspeita recorre-se a uma carta anónima forjada ou a qualquer outro expediente para que um juiz autorize a investigação? Recorde-se que foi com uma carta anónima forjada que foi iniciada a investigação do Freeport.

Se uma qualquer conversa ao telefone pode servir de suspeita de que pode haver um crime então todos seremos suspeitos. Tal como no caso Freeport, em que já foram constituídos arguidos sem que tenha sido provado qualquer crime, isto é, são arguidos por terem cometido um crime que a polícia imagina, suspeita ou desconfia de que foi cometido, podemos a partir de agora ser suspeitos de crimes só porque a polícia ou um qualquer magistrado desconfia da existência do crime.

Há o risco evidente de uma investigação em vez de servir para cometer um crime poder ser usada para forjar as provas de um crime que não existiu. A história da justiça está cheia de casos destes e se não há qualquer controlo externo sobre o comportamento dos polícias e investigadores nada nos garante que tal não possa ser feito.

Devem as escutas de Sócrates ser tornadas públicas?

Se o processo está em segredo de justiça, se todos acham que um primeiro-ministro pode ser investigado como qualquer cidadão, porque razão desde o militante esganiçado ao professor de direito mais mediático, acham agora que deve haver uma excepção. Se quando os processos suscitam dúvidas ao cidadão comum e todos nos dizem que devemos confiar na justiça (quantas vezes ouvi esta declaração quando o processo Casa Pia estava na berra?) agora que foi o Supremo Tribunal de Justiça e o Procurador-Geral da República a tomarem uma decisão não devemos confiar? Isto é, os que defendem a confiança na justiça agora acham que devemos desconfiar do presidente do Supremo e do Procurador-Geral para passarmos a confiar nos polícias de Aveiro e num juiz de comarca.

Em matéria de justiça não podemos ter dois critérios.

Quais as consequências de todo este processo?

É evidente que muitos dos nossos “democratas” acham que por estar em causa um adversário político, detestável porque os humilhou em duas eleições, devem fechar os olhos a práticas fascistas só porque isso lhes pode trazer benefícios políticos. Ferreira Leite foi mais inteligente, talvez por andar bem aconselhada pelo filósofo da Marmeleira, começou por defender os magistrados, assegurando-lhes que discordava que perdessem mordomias, para agora aproveitar as fugas ao segredo de justiça para fazer discurso político no Parlamento.

Para os políticos da oposição os 10.000 euros que Armando Vara poderá ter recebido são mais importantes do que a democracia, o respeitos dos direitos elementares dos cidadãos ou, pior ainda, quando estão em causa os seus adversários políticos todos os princípio elementares da democracia podem ser esquecidos. Enganam-se, mais tarde chegará a sua vez.

Sócrates é um vigarista?

A nova estratégia de alguns grupos políticos passa agora por passar a ideia de que se Sócrates está envolvido em tantos casos então é porque é um grande malandro. Isto é, lançam-se suspeitas sistemáticas, não provam nada e depois dizem que esteve envolvido em muitos casos como se tivesse sido sempre condenado. Pior ainda, cria-se um ambiente de intimidação de tal forma que sempre que alguém se opõe a estes truques é logo apelidado de conivente, no processo Casa Pia todos os que ousavam desconfiar do processo eram pedófilos, agora são corruptos.

Se Sócrates é corrupto provem-no e se o fizerem então que se demita e seja condenado, mas até que o provem defenderei Sócrates, da mesma forma que teria defendido Sá Carneiro ou Pinto Balsemão. A verdade é que nenhum político português foi tão investigado como Sócrates, teve tanto ódio por parte dos magistrados e das polícias e foi tão vilipendiado por bandalhos fascistas.

Até que se prove o que quer que seja Sócrates é mais do que presumivelmente inocente, é inocente e não serei eu que por oportunismo ou porque as minhas capacidades ou projecto político não convencem os eleitores vou prescindir dos meus valores, desrespeitar os mais elementares princípios da democracia ou destruir qualquer adversário político só para chegar ao poder. E o pior é que alguns dos que têm tanta fome de poder estão na verdade a sofrer da síndrome da abstinência porque há muito que sentem a falta das comissões e dos financiamentos ilegais, como os da Somague que ajudaram Durão Barros e Manuela Ferreira Leite a ganharem as eleições. Pior ainda, escolheram um dirigente com uma doença grave para culpado de ter recebido o financiamento.