quinta-feira, agosto 28, 2008

Tudo bons rapazes


Ontem quase tive vontade de rir com as posições do PCP e do BE acerca da vaga de crimes que estão a substituir os incêndios neste Verão quase sem notícias, situação agravada pela gaguez de uma Manuela Ferreira Leite que fala descontinuadamente de três em três semanas. Perante as posições destes partidos face as criminosos quase senti um complexo de culpa, afinal eles são todos bons rapazes, afinal o malandro sou eu.

Para João Teixeira Lopes, do Bloco de Esquerda, os rapazes que roubaram um carro , acabando por morrer num acidente, até poderiam ter sido operários especializados:

«O que dizer de um senhor, cuja voz (a figura aparecia em sombra, mas o timbre indicava ser ainda novo) lamentava, quase em lágrimas, o estado de sucata em que o seu carro ficou, depois de roubado por três jovens (entre os 18 e os 20 anos) que aproveitaram a viatura para digressões alcoólicas em tascas da região, polvilhadas de tumultos, para acabarem mortos, pouco tempo após, trucidados nesses ferros do carro em ruínas? Para o dono do carro, nem uma palavra sobre os mortos. Eram delinquentes, ponto. Roubaram-lhe e espatifaram-lhe o carro, ponto final. Eis que a viatura vale mais do que a vida. Poderia este jovem ser um operário qualificado de uma grande empresa da região que se endivida para comprar um carro, símbolo de mobilidade (geográfica e social), de autonomia e de prestígio (valor de signo)? Claro que poderia. E votar à esquerda? Eventualmente. E estar socialmente vulnerável, uma vez que a situação económica da sua empresa é frágil e paira a ameaça de deslocalização? Perfeitamente possível.» [Esquerda.Net]

Isto é, o “senhor” a quem o carro foi roubado deveria estar com problemas de consciência, se soubesse o que iria suceder até deveria ter comprado um carro melhor equipado em segurança passsiva, talvez um todo o terreno Hummer. Mesmo sem saber o homem deve estar a roer a consciência só de pensar que o ladrão poderia ser um operário especializado eleitor do Bloco e, portanto, um bom rapaz. Até poderia mesmo ser um catequista ou sacristão estagiário e nesse caso o pobre homem já ganhou um lugar no purgatório, senão mesmo no inferno.

Porque será que não se coloca a hipótese do dono do carro ser um trabalhador, até mesmo um operário não especializado, que comprou o carro, destruído por ladrões numa noite de divertimento, com grande sacrifício?

A partir de agora quando ouvir falar de um crime terei que especular, se um ladrão assaltar um banco terei que colocar a hipótese de ser um servente de pedreiro e deverei sentir-me solidário porque ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão. Se estiver no banco no momento do assalto até me deverei oferecer como refém em nome da solidariedade de classe.

Entretanto, Jerónimo de Sousa opta por deixar o senhor do carro descansado, aborda a questão de forma subjectiva e ao mesmo tempo que conclui da inocência ou inimputabilidade dos ladrões, independentemente da profissão dos mesmos, e culpa José Sócrates, o grande Satan cá do sítio. O aumento da criminalidade é consequência da degrdação económica e social, justificação mais ou menos idêntica à encontrada para os incidentes na Quinta da Fonte.

Os ladrões são desempegados desesperados que ao verem os filhos chorarem com fome decidem assaltar um banco, vão ao super, compram uma caçadeira, cortam-lhe os canos e vão directos à agência ou à estação de serviços mais pobres. Aliás, Jerónimo de Sousa deverá estar na posse de estudos que provam que os criminosos estão todos inscritos nos centros de emprego, uns à procura do primeiro emprego apesar de terem mais de trinta anos, outros terminaram cursos de formação ministrados em estabelecimentos prisionais e acabaram de beneficiar de uma condicional.

Moral da história, os mariolas que roubaram o carro ao “senhor” até podem ser operários especializados eleitores do BE e, portanto, membros da liderança da proletariado que tiveram um momento de recreio aziago. Todos os outros são desempregados desesperados, que depois de verem os empregos ocupados por ucranianos ou eliminados por Sócrates decidiram jogar mão do último recurso, o roubo. Moral da história: os criminosos ou são vítimas ou inocentes impelidos ao crime pelo malandro do Sócrates, isto é, no meio de toda esta hipocrisia o malandro sou eu.

Isto lembra-me a anedota do compadre que foi apanhado com duas meninas numa rusga a um bordel. Interrogadas pela polícia uma das meninas declarou-se manicura e a outra cabeleireira, o coitado do compadre concluiu estupefacto: “querem ver que a p. sou eu?”.