Os debates que ciclicamente se fazem sobre a questão das escutas telefónicas são das discussões mais hipócritas a que podemos assistir na política portuguesa. Hipócritas foram também as reacções de muitos políticos e comentadores a propósito da entrevista que o Procurador-Geral deu a propósito do tema.
Nem é necessário falar do Echelon, através do qual o Conselho de Segurança Nacional dos EUA escuta e vigia todas as comunicações por satélite, que tem mesmo levantado suspeitas de estar a ser usado de ser usado na espionagem industrial em beneficio das empresas americanas, ao ponto de suscitar posições das instituições comunitária, para percebermos que anda muita gente a fazer-se parva.
Há escutas ilegais?
Alguém imagina que é possível vigiar os movimentos de membros de organizações terroristas com base na actual legislação? O dispositivo legal que permite as escutas telefónicas é perfeito para investigações no âmbito de inquéritos judiciais e pouco mais. Mas o problema não se fica por aí.
Quanto se pode ganhar sabendo de decisões da administração de um grande banco, antecipando operações na bolsa? Não é assim tão difícil rastrear as chamadas telefónicas na sede do BCP, na Rua Augusta, e ouvir escutar as conversas do presidente do banco. Só que nenhum responsável por uma grande empresa usa o telefone sem os devidos cuidados. Aliás, as secretas de alguns países da Europa (ainda há poucos dias foi notícia que o SIS ia dar formação a empresas) têm programas de formação destinados a empresas estratégicas, onde se ensina como evitar ser vítima de espionagem económica.
Tal como se dizia no editorial do Público de ontem a questão está na ética com que se comportam os que têm acesso a escutas ou às tecnologias que permitem a sua realização à revelia das empresas de telecomunicações. É necessária ética e controlo interno nas instituições que combatem o crime e o terrorismo, sem isso os abusos podem ocorrer.
Assistimos a um debate de meias verdades, onde todos sabem a verdade e muitos sabem mais destas questões do que o próprio Procurador-Geral. Alguns dos deputados foram ministros e secretários de Estado da Justiça e da Administração Interna, os próprios jornalistas conhecem muito melhor do que o Procurador-Geral quem lhes dá as cópias das escutas.
No meio disto tudo não me admiraria mesmo nada que o Procurador-Geral seja mesmo o que menos sabe ou, como diz o outro, o último a saber.