Há coincidências do diabo, quando o Banco de Portugal investiga a concessão de créditos a familiares de administradores do Millennium sabe-se que os administradores do regulador do sistema bancário beneficiam de créditos concedidos pelo próprio banco. Temos uma situação caricata, a lei proíbe que os bancos privados concedam créditos a familiares dos seus administradores enquanto no Banco de Portugal os administradores não estão sujeito a esse limite. Isto é, a lei controla o que se faz com os dinheiros de bancos privados para proteger os seus accionistas e clientes, mas com o dinheiro dos contribuintes parece valer tudo.
Parece que os administradores do BP não se fazem rogados, três deles recorreram aos dinheiros públicos, um deles até tem um crédito de 361 euros. Até apetece dizer que se tivesse aderido às Novas Oportunidades teria recebido um à borla...
Como era de esperar, o ministro das Finanças apressou-se a dizer que era tudo legal, que essa possibilidade está prevista no Estatuto do Banco de Portugal. Talvez seja legal, mas não é ético e a um ministro não cabe apenas a defesa da legalidade, isso é tarefa para os juízes, de um responsável governamental espera-se que assegure a legalidade mas também a ética no exercício de cargos públicos. Mas desde que um ministro assegurou que o que é legal é ético tudo vale, nunca mais se falou de ética republicana.
Não esperava outra atitude do ministro das Finanças, o governador do Banco de Portugal tem sabido proteger os privilégios de administradores e funcionários do Banco de Portugal, o banco faz os fretes aos governos e estes fazem vista grossa aos privilégios do banco, não lhes aplicando as regras que vão sendo adoptadas para a Administração Pública.
Mas além de pouco étido é duvidoso e é duvidoso porque estando o Banco proibido de conceder crédito ao Estado o possa fazer aos funcionários e administradores, é duvidoso que o banco possa conceder créditos sem que as condições em que são concedidos estejam definidas na lei.
Mas será mesmo legal?
O número 1 do artigo 64.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal [Pdf] estabelece que:
«1 – Em tudo o que não esteja previsto na presente lei e nos regulamentos adoptados em sua execução, o Banco, salvo o disposto no número seguinte, rege-se pelas normas da legislação reguladora da actividade das instituições de crédito, quando aplicáveis, e pelas demais normas e princípios de direito privado, bem como, no que se refere aos membros dos órgãos de administração, pelo Estatuto do Gestor Público.»
Então como se explica que os administradores dos bancos privados estejam impedidos de conceder crédito a familiares e os do Banco de Portugal possam conceder créditos a si próprios? Com que autoridade moral o Banco de Portugal controla o comportamento dos bancos privados?
Ao invocar o artigo 40.º da Lei Orgânica do BP o ministro considera que a concessão de crédito a um administrador é um benefício social. Talvez seja, mas então porque motivo os funcionários do banco têm direito a crédito para aquisição de habitação a título de benefício social, decidido por uma comissão de vencimentos? Quer isso dizer que essa comissão de vencimentos pode usar dinheiros públicos para conceder benefícios sociais que mais nenhum trabalhador português tem. Ainda por cima são benefícios sociais secretos já que não são objecto de divulgação pública, apesar de o Banco de Portugal ser uma instituição pública.
Que mais benefícios sociais secretos terão os funcionários e administradores das instituições públicas que ajudam o ministro das Finanças na sua tarefa de aplicar medidas de austeridade aos portugueses que não têm nenhum Vítor Constâncio para os proteger?