Pelos argumentos que vou ouvindo por aí, tenho de concluir que Portugal vai ser o modelo mundial da democracia directa, um país que vive numa “RGA” permanente para decidir sobre tudo e mais alguma coisa.
Argumentos a favor não faltam e são de uma grande simplicidade intelectual. Começa-se por defender que o problema é transversal e neste caso os partidos não devem decidir sobre algo que os divide. Se o problema não é transversal argumenta-se que os partidos prometeram algo diferente. Se os partidos nada prometeram, porque o problema não era previsível por ocasião das legislativas, então não se pronunciaram pelo que as suas posições não foram sufragadas, logo, deve recorrer-se a um referendo. Se nenhuma destas situações se verificar há-de haver um militante desavindo ou em busca de notoriedade, coisa que não falta no PS ou no PSD (os JPP, os Marcelos ou os Carrilhos), que defende que o partido deve ouvir todos os portugueses. Se nenhum destes argumentos servir ainda se pode recorrer à bomba H da democracia portuguesas, os deputados são todos (não, quase todos pois os do nosso lado são sempre gente muito honesta) uns bandalhos, filhos de mãe incógnita, corruptos, etc., portanto, não representam ninguém, aliás, os deputados só representam os portugueses no dia das eleições pois no dia seguinte já muitos eleitores mudaram de opinião (veja-se o caso do governo de Durão Barroso que quando tomou posse já as sondagens o dava como derrotado).
É evidente que nem todos se comportam desta forma há os que fazem contas. Um bom exemplo disso são o PCP e o BE que se auto designaram como Congregações para a Doutrina e a Fé da democracia portuguesa. Se o seus deputados são suficientes para que as suas posições vençam, defendem que o problema deve resolver-se no Parlamento, pouco importando o que o PS prometeu. Mas se os seus deputados estiverem em minoria e mais nenhum parlamentar os acompanha defendem que o problema deve ser referendado. Temos, portanto, um modelo equilibrado de democracia directa que se pode designar “democracia à melhor de duas”, o PCP e o BE escolhem o modelo adequado às decisões, se o que pretendem conta com apoio parlamentar a solução deve caber aos deputados porque estes representam os eleitores. Se as suas posições são minoritárias a decisão deve ir para referendo porque os deputados (os dos outros partidos, claro) não representam ninguém.
A solução está adoptar o referendo para tudo e mais alguma coisa, da Ota ao Tratado. No caso do Tratado até se poderiam propor vários referendos, começar-se-ia por perguntar aos portugueses se querem continuar na EU, se os portugueses decidissem sair o problema estaria resolvido. Depois referendar-se-iam sucessivamente todas as mudanças dos tratados até ao Tratado agora adoptado. Seria mais honesto pois não faz muito sentido andarmos a meter a Europa de pernas para o ar quando o que muitos dos que defendem o referendo o que sempre desejaram foi ver a Portugal fora da CEE.
Até seria mais honesto pois os eleitores não sabem se hão-de votar vão porque foi um erro histórico entrar para a CEE em vez de integrar o Comecon ou porque não percebendo bem o que o JPP quer acham que ele tem razão.