Um dos conceitos que mais me confunde na política portuguesa é o da presunção da inocência, não porque não o entenda no plano jurídico, mas porque tem sido abusivamente utilizado por políticos para tentarem ilibar-se de culpas.
Suponhamos que eu vejo um homicida matar outra pessoa, no plano jurídico esse homicida é presumivelmente inocente, isto é, só será considerado culpado até trânsito em julgado. Compreende-se, a condenação pressupõe a aplicação de uma pena e o homicida tem direito à sua defesa. Imaginemos que por erro da acusação é ultrapassado um qualquer prazo ou atinge-se a prescrição no se processo, deverei considerar esse homicida como sendo um cidadão exemplar?
Outro exemplo, se Valentim Loureiro ou Pinto da Costa conseguirem que as escutas telefónicas não devem ser consideradas como prova em julgamento deverei fazer de conta que não soube de nada e que no plano desportivo se comportaram de forma exemplar. Isto é, as razões juridicamente compreensíveis que poderão determinar a anulação dessas provas deverão ser por mim consideradas para formular a minha opinião consideração destes ou de outros sujeitos.
A minha opinião sobre os políticos deve estar condicionadas aos conceitos do direito penal? Suponhamos que um candidato a deputado é apanhado em flagrante a roubar uma garrafa de vinho numa mercearia, devo aceitar que continue a se candidato e depois deputado até que haja uma sentença que transite em julgado?
Não me parece, no plano do direito penal a regra faz todo o sentido, mas na política portuguesa está-se a abusar do conceito. Se para ser aplicada uma pena a acusação deve provar que houve um crime, para que um político mereça a minha confiança ele tem que me provar sem rodeios, truques e prescrições que a merece. Se no direito penal se aplica o princípio in dúbio pro reo, na política são os políticos que devem tirar-me as dúvidas, “À mulher de César não basta ser, terá que parecer”.
Aliás, esta máxima é a que é comum usar em Portugal, a expressão original é atribuída a César para justificar o seu divórcio com Pompeia Sula. Quando se celebrava a Bona Dea, uma orgia báquica reservada ao sexo feminino, deu-se o escândalo, Publius Clodius não resistiu à sua paixão por Pompeia e entroduziu-se na festa disfarçado de tocadora de lira, acabando por ser apanhado por Aurélia, mãe de César. Houve escândalo, César divorciou-se da bela Pompeia, Publius foi acusado de sacrilégio e julgado pelo Senado. César testemunhou assegurando que nada tinha contra Clodius e quando confrontado pelos senadores com a sua decisão de se divorciar respondeu que “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”.
Coloco esta questão porque é mais do que certo que dentro de dias Luís Filipe Menezes vai defender que não foi condenado no processo das viagens fantasmas. Luís Filipe Menezes foi um dos envolvidos nas viagens fantasma, esquema criado por alguns deputados para desviar parte do dinheiro pago pela AR para despesas de uso pessoal. De acordo com o Expresso, informação que não foi desmentida, Luís Filipe Menezes usou parte do dinheiro para pagar um fim-de-semana de férias do filho e despesas num casino. De acordo com o mesmo jornal o Ministério Público teve que enviar o processo para julgamento pois sempre que tentou notificar o autarca de Gaia este estava ausente.
Deverei considerar Luís Filipe Menezes como um político exemplar, ou concluir que com base na informação recolhida o autarca de Gaia não tem condições para ser primeiro-ministro?
Como César direi que “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita.”. Menezes pode ter escapado pelas malhas do direito penal, mas isso não significa que no plano ético verifique as exigências mínimas que considero que um político deve verificar para exercer cargos públicos.