Ao longo dos últimos anos foi privatizada a quase totalidade do sector empresarial do Estado, banca, energia, telecomunicações e mais uma infinidade de empresas foram privatizadas. Restaram pequenas participações em empresas como a PT, CGD e parte das empresas de transportes públicos, para além das empresas gestoras dos portos pouco mais há para privatizar. A par das privatizações ficou mais difícil ingressar na Administração Pública onde a generalidade dos dirigentes passou a ser escolhida por concurso.
Estas mudanças custaram aos partidos do poder o acesso a milhares de empregos que eram usados para empregar os seus militantes. Militar num partido do poder significava aceder facilmente a um cargo bem remunerado, para além de contar com facilidades para colocar familiares e amigos no Estado. Ainda ontem Pacheco Pereira escrevia no Abrupto:
«Basta consultar as biografias de alguns dirigentes locais vindos da JSD ou do aparelho partidário, para ver como nos anos em que o PSD esteve no poder se acentuou a ligação entre os cargos partidários, e os cargos de nomeação governamental, associados de um modo geral à ausência ou ao abandono de qualquer actividade profissional própria, ou seja à perda de independência económica em relação ao partido. Para essas novas clientelas o partido tornou-se o emprego e a carreira política a forma de ascender profissional e socialmente. Por muito que encham a boca como uma espécie de clubismo social-democrata, o partido enquanto realidade política e cívica significa para eles muito pouco. A sua motivação é essencialmente interna - e do poder interno que precisam para manter os lugares. Actuam como um sindicato e estão dispostos a tudo para manter o emprego, mesmo que isso signifique matar socialmente o PSD.» [Abrupto]
No PSD, um partido que depois da refiliação ainda ficou com mais de 140.000 (!) militantes esta perda acentuada de acesso a cargos públicos teve como resultado a incapacidade de a maioria dos seus militantes suportar longos períodos de oposição. Diria mesmo que muitos dos militantes do PSD não estão preparados psicologicamente para suportar uma legislatura na oposição, isso quase nunca lhes sucedeu.
Não é por acaso que depois das privatizações multiplicou-se a criação de institutos, melhorou-se a remuneração dos dirigentes da Administração Pública e as empresas municipais multiplicaram-se como cogumelos. Coincidência, ou talvez não, a queda de Marques Mendes começa na Câmara de Lisboa, a forma como geriu o processo teve por consequência o desemprego de dezenas de assessores e a perda de muitos lugares nas administrações das empresas municipais. O aparelho do partido da capital não lhe perdoou e brindou-o com uma das derrotas mais significativas nas directas.
Estará o PSD preparado para sobreviver numa sociedade onde a presença do Estado não seja dominante? É cada vez mais evidente uma clivagem entre notáveis que defendem o liberalismo e as bases que dependem do intervencionismo, entre um partido da capital que é liberal e um partido das autarquias que é mais parecido com o PCUS do que o PCP. Há muito que as elites do PSD abandonaram os cargos do Estado, pior remunerados do que os sector privado, mas as bases do PSD não tiveram a mesma sorte e estão a passar um mau bocado, o partido já não oferece as vantagens que levou muita gente a tornar-se tropa de choque dos homens do aparelho.
A vitória de Luís Filipe Menezes acaba por traduzir uma revolta dos militantes de base, um efeito perverso das políticas liberais do partido.