Os que andam a batalhar, a tudo recorrendo para impedir Sócrates de renovar a maioria de esquerda, arriscam-se a ver essa maioria, que mais parece um galheteiro da esquerda, transformada num bloco central. Toda a gente deste país sabe que um governo sustentado numa maioria dos partidos de esquerda é inviável, basta ter lido as propostas de Bernardino Soares (o quadrilátero líder parlamentar do PCP) para salvar a economia do país para perceber que é preciso uma dose poética do tamanho de Manuel Alegre para imaginar tal solução política.
Os que tanto detestam a maioria absoluta de Sócrates arriscam-se a uma maioria absolutíssima do bloco central, os que descobrem autoritarismo em todos os gestos de Sócrates arriscam-se a levar com Sócrates e Manuela Ferreira Leite, os que tanto acusam Sócrates de governar à direita arriscam-se a levar mesmo com um governo mais à direita. Os artífices da maioria de esquerda correm um sério risco de parir um Frankenstein, um governo do bloco central.
Há poucos dias discuti as consequências de uma maioria de esquerda com o PS sem maioria absoluta, mas a minha imaginação não foi tão longe, como a criatividade de alguns sectores do PSD que querem chegar ao poder a qualquer custo.
Mas a solução não é tão impossível quanto isso, o discurso de Manuela Ferreira Leite vai nesse sentido, o próprio Cavaco Silva deverá estar dividido entre o seu amor de sempre e a sua paixão mais recente. Cavaco não quererá ser a primeira vítima da instabilidade política que resultaria de um governo do PS sem maioria absoluta.
Lembremo-nos que no passado Cavaco Silva não hesitou em atirar o PSD para uma derrota eleitoral na esperança de chegar a Presidente da República. Uma crise política seguida da ascensão do PSD ao poder comprometeria em muito as possibilidades de Cavaco se manter em Belém, dificilmente conseguiria ficar com a imagem incólume e ninguém gostaria de ver os septuagenários Cavaco e Ferreira Leite a mandar neste país, a reeleição de cavaco estaria comprometida, o seu desejo de ficar na história da democracia portuguesa nunca se realizaria.
Um governo de bloco central passaria a ter o estatuto de governo de maioria presidencial, uma aberração numa democracia que se pretende parlamentar, ainda por cima, uma concentração no poder de toda a gama de tiques autoritários.
O sonho da maioria de esquerda poderá muito bem resultar no pesadelo de uma maioria presidencial.