A crise dos preços dos combustíveis evidenciou a existência de duas Europas, uma Europa a norte onde não se viram manifestações provocadas pela alta dos preços e uma Europa a Sul, onde cidadãos e empresários se multiplicaram em manifestações a exigir do Estado uma mezinha para os seus problemas. Poderíamos ainda falar ainda de uma Europa a leste, com dificuldades bem maiores do que em países como Portugal ou Espanha, onde parece que nem se deu pelo problema, talvez porque tenham boas razões para desconfiar das soluções estatais. Haverá razão para isso?
A reacção dos países de leste é compreensível, nos países onde o paraíso desceu à terra ninguém tem saudades desse paraíso nem do Estado que, ao mesmo tempo que dava a aparência de resolver todos os problemas dos cidadão, ia condenando-os à pobreza e ao silêncio.
No resto da Europa há uma clara fronteira que demarca duas regiões que traduzem duas posturas perante o Estado. Coincidência ou talvez não, essa mesma fronteira divide a Europa Católica da Europa Protestante, a Europa onde se espera que Deus resolva todos os problemas dos crentes, da Europa onde os cidadãos esperam menos benesses divinas para os problemas cuja solução é terrena.
Também poderíamos reparar que os países onde se registam mais protestos são aqueles onde no passado foi grande a influência dos partidos comunistas, Portugal, Espanha, França e Itália. A Espanha poderá ser uma excepção, já que depois da democratização do país o PCE quase se esfumou, mas, mais uma coincidência, a Espanha é o país do Sul que mais progrediu, Portugal é o que se sabe, a Itália e a França estão em clara decadência em relação às outras potências da União Europeia.
Mas existem também uma fronteira entre a Europa dos fascimos e a Europa das democracias. Aqui há duas excepções, a França e a Alemanha, mas o caso da França também teve o seu governo de Vichy, na Alemanha Hitler não seria escolhido o maior português como sucedeu em Portugal com Salazar. O norte livrou-se mais rapidamente da peçonha fascista que por estas bandas ainda nos divide entre os que são a favor os que exibem certificados de cidadão exemplar por serem contra e os que são indiferentes, como sucedeu recentemente com Manuel Alegre.
Existe ainda uma outra fronteira, a norte os empresários investem para serem competitivos, a sul pedem ajuda ao Estado. A influência do Estado nas economias do Sul é maior, os cidadãos e empresários exigem que o Estado lhe resolva os problemas sempre que as preces não deram resultado. Coincidência ou não, é nestes países que se localizam os grandes santuários do catolicismo, é nestes países que de vez em quando aparece a Nossa Senhora para nos livrar dos tormentos.
Temos, portanto, duas Europas, uma onde os cidadãos assumem a sua cidadania na plenitude, sabem que têm direitos e deveres, não esperam nem exigem que as suas dificuldades sejam supridas à custa do colectivo dos contribuintes, não transferem os seus problemas para o vizinho através do Estado. Na nossa Europa, mais a Sul, os cidadãos não têm responsabilidades, tudo o que lhes sucede é determinação divina ou culpa dos governos, os problemas resolvem-se com preces ou com maior intervenção estatal. Dividimo-nos entre os que esperam o paraíso no céu e os que o sonham na terra, todos acreditamos que esse paraíso é uma bênção, consegue-se sem esforço, ou Deus ou o Estado indicarão o caminho aos mais iluminados.
Há poucos anos faltou a chuva e os portugueses reuniram-se em procissões, agora o preço do pretróleo aumento e preferiram as manifestações, isto sabendo que não há relação entre a chuva e a bexiga de São Pedro e que por mais autoritário que seja Sócrates este ainda não consegue mandar na Bolsa de Nova Iorque. O Cardeal tem tanta influência sobre a mudança climática como as soluções de Jerónimo de Sousa traria progresso ao país, mas mesmo assim não faltam crentes a ambos.
Temos no Norte uma Europa dos cidadãos, no Sul uma Europa do Estado. Serão apenas coincidências?