Suponhamos que vejo alguém cometer um homicídio, devo considerá-lo presumivelmente inocente até trânsito em julgado? Se graças a truques judiciais sucessivo conseguir a prescrição do processo ou por erros judiciais não for possível provar a sua culpa em tribunal devo considerá-lo um cidadão exemplar, aquilo a que vulgarmente se designa alguém com o comportamento de um bom chefe de família?
Pessoalmente respeito o princípio desde que não existam provas inequívocas e se o arguido não recorrer a truques. É evidente que não me cabe condenar ninguém, mas tratando-se de uma personalidade pública não é apenas uma condenação judicial que está em causa, são também os seus valores éticos. Se um político que está a ser investigado por suspeita de corrupção se esquiva a uma perícia caligráfica graças a uma milagrosa tromboflebite diagnosticada no dia da perícia por um médico especialista em cirurgia vascular que até é seu cunhado, até poderá evitar uma acusação formal ou uma condenação, eu não voltarei a confiar nele.
Ao contrário do que Manuela Ferreira Leite disse a propósito do julgamento do candidato (eleito) a deputado António Preto não está em causa uma questão de ordem pessoal, se as acusações se referem ao incumprimento de obrigações fiscais o que vai a julgamento é o possível incumprimento de deveres de cidadania. O país não pode aceitar sacrifícios enquanto da corte de Manuela Ferreira Leite fazem parte políticos acusados de cometerem fraudes fiscais.
A presunção da inocência é um princípio nobre da justiça, mas não transforma necessariamente um acusado num cidadão exemplar. Manuela Ferreira Leite até pode confiar na inocência do seu “afilhado”, mas não pode afirmar a sua inocência, tal como fez Cavaco Silva em relação a Dias Loureiro.