Nenhum dos dois Cavacos se comprometeu com o Governo, o país nunca conheceu a prometida cooperação estratégica e muito menos a ajuda que Cavaco Silva tanto prometeu dar, apesar de o país ter enfrentado uma grave crise financeira ninguém ouviu de Cavaco nada sobe como combatê-la, para além da defesa ridícula das estradinhas como modelo de desenvolvimento.
O primeiro Cavaco tentou surfar nas reformas promovidas pelo governo sem, contudo, as ter apoiado activamente, por mais de uma vez elogiou-as, chegou mesmo a usá-las no estrangeiro beneficiando da imagem de reformador. Até à crise financeira Cavaco limitou-se a fazer alguns roteiros idiotas, a promover uma associação de amigos ricos presidida pelo homem do BPP e a cumprir com as suas competências. Nunca foi mais longe do que isso, obedecendo a uma estratégia cínica, se tudo corresse bem a Sócrates o presidente teria sido o homem por detrás do primeiro-ministro, se tudo corresse mal Cavaco não se teria comprometido o suficiente para comprometer a sua imagem.
Até à crise financeira Cavaco estava convencido da derrota do PSD, tentou mesmo prender Marques Mendes a pactos de regime. Depois da crise financeira vimos outro Cavaco, nunca mais se falou de pactos, os seus assessores, até aí personagens cinzentas e apagadas, apareceram nas redacções dos jornais a promover a intriga contra o primeiro-ministro e, pior do que isso, a apoiar a candidatura de Manuela Ferreira Leite.
Inesperadamente Cavaco pensou ser possível o seu velho sonho de ser em simultâneo presidente e primeiro-ministro, a partir daí a Presidência da República passou a intervir directamente no processo político, com a clara intenção de favorecer Manuela Ferreira Leite. Na mesma altura em que inocentava um dos grandes responsáveis pela gestão do BPN recebia o senhor Palma para ouvir queixas de supostas pressões sobre a investigação do caso Freeport. Foi ainda mais longe quando se pronunciou sobre a compra da TVI pela PT.
A grande dúvida está, todavia, em saber se há dois ou três Cavacos, se há um terceiro inventado pelos assessores já que aquele que foi eleito evidencia momentos demasiados anedóticos para um homem com a sua estatura intelectual. Esta Presidência da República não é gerida pelo presidente, é pautada pela actuação dos seus assessores.
Mesmo na actuação do presidente há dois tipos de momento, os bem preparados, sejam discursos ou falsas intervenções espontâneas, e as intervenções verdadeiramente espontâneas de Cavaco Silva. O Cavaco preparado é bem articulado, fala com fluência e não dá ponto sem nó, o Cavaco espontâneo só diz baboseiras como as piadas dos bolsos, a do jeep para carregar os papeis ou a comunicação a explicar os seus negócios na SLN. Intervenções que nos lembram o tremelicar da mão direita no debate com Mário Soares ou, mais recentemente, o ar apaixonado com que a esposa lhe agarra na mesma mão para felicidade dos jornalistas que acompanharam a visita presidencial à Áustria.
Quem manda na Presidência da República, o Cavaco anterior à crise, o Cavaco que sonha ser primeiro-ministro e presidente ao mesmo tempo, ou o Cavaco dos assessores, um Cavaco que lê discursos, que conta piadas mal preparadas e promove a intriga na comunicação social sob a forma de assessor anónimo?