De vez em quando aparece um saudosista do tempo em que as desvalorizações resolviam todos os problemas, há mesmo quem insinue que a solução dos problemas da economia portuguesa seriam mais facilmente resolúveis fora da união monetária. Este argumento é usado para mais facilmente sugerir a necessidade de uma redução salarial que teria os mesmos efeitos.
Só que os que se recordam das desvalorizações esquecem-se de outras grandes diferenças em relação ao actual contexto económico. Aliás, esquecem o hiato entre a época das desvalorizações e a entrada na União Monetária, período de alguma estabilidade que foi sustentada pela entrada massiva de fundos comunitários.
No tempo das desvalorização não era apenas a política cambial que assegurava o equilíbrio das contas com o exterior por via do aumento da competitividade das nossas exportações. Também concorriam para esse objectivo factores como as fortes restrições às importações, que implicavam mesmo a escassez de alguns bens alimentares, o elevado custo e escassez do crédito ao consumo e o perfil das nossas exportações dominadas por bens de indústrias de mão-de-obra intensiva, actividades económicas que foram estimuladas pela participação de Portugal na EFTA.
Quem não se lembra da escassez de produtos importados, coisas tão simples como bananas, ou das filas de espera para a aquisição de carros. Antes da entrada de Portugal na CEE uma boa parte das receitas fiscais eram cobradas na importação sob a forma de imposto sobre transacções ou de direitos aduaneiros, mesmo depois da adesão à CEE Portugal beneficiou de um período de transição durante o qual se aplicaram taxas nas trocas intracomunitárias e restrições à importação.
Que indústrias beneficiariam de uma desvalorização cambial nos dias de hoje? Muito poucas e, em contrapartida, algumas das que são competitivas no mercado externo veriam os seus produtos serem vendidos mais baratos, o que ganharia a Auto-europa com uma desvalorização? Isto é, para assegurar a manutenção de indústrias com pouco futuro desvalorizava-se a produção de todas as outras. Por outro lado ficariam mais caros os produtos importados, sendo evidente que os bens de luxo continuariam a ser importados ao mesmo ritmo já que são as desigualdades na distribuição dos rendimentos que em grande parte os financiam.
A adopção do euro tal nos moldes em que se processou leva a situações caricatas, importamos muito mais de países como a Alemanha e depois estes países, grandes beneficiários do nosso desequilíbrio comercial impõem-nos políticas de austeridade para assegurar que o nosso défice não fragilize o euro, um ministro alemão até sugere castigos e a criação de um FMI europeu. O união monetária adoptada pelos europeus é uma aberração económica, não faz sentido haver uma moeda, 16 orçamentos, 16 PEC e 16 balanças comerciais.
As soluções para os actuais problemas já não passam pela desvalorização e mesmo que assim fosse ter-se-ia que impor restrições ao consumo que só seriam possíveis com recurso à contingentação das importações. Estaria a economia alemã disposta a sofrer as consequência da contingentação das importações por parte dos seus parceiros comerciais? É evidente que a solução dos problemas dos desequilíbrios externos na Espanha, Grécia, Portugal ou Irlanda teria um elevado custo para economias como as da Alemanha ou da França.
O euro não é um fenómeno isolado, resulta de um processo de integração em que tem papel determinante a livre circulação de capitais e de mercadorias. É neste contexto que devem ser encontradas as soluções que não passam por gestos de solidariedade ou de compreensão, mas sim de entender que a integração económica não passa apenas por aquilo que interessa às grandes economias europeias.