quarta-feira, março 24, 2010

Bandalheira

Os últimos anos vão ficar na história de Portugal como um período negro do prestígio das instituições, um período em que a luta política foi feita com recurso a golpes sujos. A luta pelo poder a qualquer custo tem levado a que muitos dos nossos políticos tentem eliminar em vez de ganhar aos adversários, sem ideias e projectos apostam mais na jogada. no golpe, na manobra oportunista do que em construírem uma alternativa.

O problema não é tão recente como alguns querem fazer crer, o que estão a fazer a José Sócrates não é novidade nenhuma, há muito que a alcunha, a insinuação, a falsa informação é usada para eliminar adversários político. Tentaram desvalorizar António Guterres com a alcunha da “picareta falante”, agora vemos Pacheco Pereira muito incomodado com a possibilidade de os assessores deixarem de ser eunucos políticos e exercerem os seus direitos de participação na vida política, está esquecido de quando Patinha Antão era director-geral de Estudos e Previsão do ministério das Finanças e usava esse estatuto para tentar contradizer as opiniões de António Guterres em plena campanha eleitoral. Tentaram eliminar António Vitorino com um a suposta manobra de evasão fiscal quando se veio a provar que o então ministro da Defesa tinha pago impostos superiores aos que eram devidos. Destruíram Ferro Rodrigues e nem hesitaram em tentar envolvê-lo no processo Casa Pia.

Com alguns políticos a deixarem de respeitar as regras e a apostar no desprestígio das instituições não admira que sejam os grupos corporativos a usarem os seus poderes ocultos e a transformares processos judiciais em armas de homicídio político. A bandalhice é total, escuta-se ilegalmente um primeiro-ministro e colocam-se as escutas num jornal em vagas sucessivas e quando tudo falha até o sindicato dos magistrados faz exigências ao Procurador-Geral da República ao mesmo tempo que alguns políticos sem escrúpulos pedem a sua demissão. Coincidência ou talvez não os jornais começam a dar conta dos descontentamento de Belém em relação ao PGR, quando pouco tempo antes o próprio Presidente esqueceu a sua existência e chamou sindicalistas ao palácio presidencial para falar de supostas pressões vindas do primeiro-ministro sobre os investigadores do caso Freeport. A bandalhice institucional chegou ao extremo de ser um braço direito do Presidente da República a lançar nos jornais a falsa informação relativa a supostas escutas a Belém promovidas pelo governo, chegou-se mesmo ao ponto de se lançarem insinuações relativas ao SIS.

Tenta-se a todo o custo passar a imagem de que o centro de tudo é Sócrates, mas isso não é verdade, este tipo de manobras é muito anterior ao actual primeiro-ministro e o ódio que este lhes motiva resulta do facto de ser teimoso, em condições normais já deveria ter cedido à chantagem. Chamaram-lhe maricas, o Ministério Público investigou (deve ser caso único no mundo e alguns dos nossos filósofos da Marmeleira esquecem-se de quando defenderam George Bush cujo currículo foi mantido em segredo) o seu diploma e até desenhos de casas, fizeram de tudo, até investigaram primos e um tio do PSD (que grande azar que tiveram) na esperança de provarem que se tinha deixado corromper no licenciamento do Freeport, fizeram-lhe escutas ilegais na esperança de o apanharem nalgum desabafo. E o que conseguiram provar? Começaram com grandes planos imaginados por uma magistrado de Aveiro e acabam por fazer uma comissão parlamentar de inquérito só para tentarem provar que disse uma mentireca.

O país está a pagar caro a morte lenta do cavaquismo, um grupo de gente que se convenceu de que tem o direito natural a governar e não aceita as decisões dos eleitores, não hesitando em destruir o prestígio das instituições, desde a Presidência da República ao primeiro-ministro, passando pelo Procurador-geral da República, ninguém escapa. Só que os mais ilustres cavaquistas estão mais interessados em ganhar fortunas, nos cargos de administradores não executivos da banca, na advocacia rica da gestão de influências e dos negócios offshore ou dos pareceres jurídicos pagos a peso de ouro do que em desempenhar cargos políticos mal remunerados.

Além de estarem à beira da terceira idade, queimados por escândalos financeiros, acomodados em cargos bem remunerados, com o seu mentor cada vez mais envelhecido, a elite do cavaquismo deixou a luta pelo poder entregue a segundas figuras sem princípios, gente em quem o povo não vê qualidades para governar e que percebendo a sua inferioridade não tem escrúpulos em recorrer ao golpe baixo, chega-se ao ponto de vermos um PSD a concorrer sem um programa e com um discurso que, pelos vistos, só os magistrados de Aveiro percebiam.

A bandalhice chegou a um ponto em que o país corre o risco de vergar sob a crise política e a democracia soçobrar aos golpes baixos. Talvez depois os cavaquistas ilustres apareçam para salvar o país, propondo a suspensão temporária da democracia como, aliás, já sugeriu Manuela Ferreira Leite.