«Você sabe que eu sei que você sabe que eu sei»
Maria José Nogueira Pinto
Nota prévia
Antes de mais informo que vou reproduzir aqui o conteúdo dos mails que me foram enviados pelo "grande repórter" Paulo Pinto Mascarenhas no dia anterior à notícia do "i". Tenho dois costumes, apagar todos os mais que recebo e não os reproduzir neste blogue sem prévia autorização do remetente. Se o jornalista tem o direito de devassar a minha correspondência e questionar-me como se fosse arguido, também tenho o direito de usar as suas mensagens, é uma questão de reciprocidade, diria mesmo de direito à informação, os jornais e os jornalistas também podem eles próprios ser alvo da notícia.
Preâmbulo
Muitos do que me manifestaram solidariedade, pessoalmente ou por mail, questionaram-me sobre se eu sabia quais as motivações e as fontes da notícia, a ausência de sentido e de conteúdo da notícia justificou este tipo de interrogações. É óbvio que o "i" não assinou nenhum protocolo com a Interpol nem se mudou para o ramo dos serviços de informações e, por outro lado, todos sabemos que em Portugal não há almoços grátis.
É verdade que a notícia nada noticia, mas isso não significa que o que foi publicado correspondia ao que o jornalista procurava ou pretendia escrever, como veremos o email que me enviou denunciava outras pistas que parece terem sido abandonadas. À falta de mais o jornalista limitou-se a produzir um termo de identificação pidesco, o que me leva a pensar que ele tinha que fazer pelo menos isso.
Já em tempos escrevi aqui que há corrupção no jornalismo português, o negócio das escutas que por aí vai é uma evidência disso, um dia destes vamos à Feira da Ladra e em vez de velharias encontramos escutas e notícias à venda, em vez de serem os pilha-galinhas a venderem o que roubaram na noite anterior, vamos encontrar por ali justiceiros, jornalistas, e outros negociantes de informações úteis, cassetes e cópias de processos judiciais.
Há muito que tenho um tique curioso, quando leio num jornal uma notícia favorável a uma empresa dá-me para começar a folhear as páginas em busca da página de publicidade paga por essa empresa, em regra lá está a página, os jornais nem se dão ao trabalho de disfarçar fazendo o elogio numa edição e a publicidade noutra. Um bom exemplo dessa pouca vergonha foi a ameaça do BES de não voltar a colocar publicidade no Expresso se este jornal continuasse a referir-se ao “mensalão”, pouco tempo depois o semanário abandonou o assunto. Mas ontem ninguém ouviu Pinto Balsemão falar deste caso na Assembleia da República, como se José Sócrates fosse a única puta deste imenso bordel em que estão a transformar Portugal.
O problema é que um pobre diabo que recebe 50 euros por fora é corrupto e um jornalista que recebe milhares por favorecer uma empresa ou a ajudar a dar um golpe de Estado é assessor de imagem e, se for necessário, os contribuintes ainda pagam uns milhões de euros para os deputados se divertirem com as t-shirts do Mário Crespo.
As motivações políticas da notícia
Quando a notícia pretende identificar um suposto “criminoso” e refere que o tal criminoso também participou no blogue SIMplex fica evidente a tentativa de denegrir um grupo de pessoas que decidiram participar na vida política, aliás, a direita e extrema direita têm tentado criminalizar o SIMplex não tendo hesitado em fazer ressuscitar a figura do bufo.
Mas no email que me enviou a título de contraditório o “grande repórter” PPM foi bem mais longe:
«Porque é que alguém que fez parte recentemente do blogue de apoio ao PS (SIMPLEX) nas últimas eleições legislativas criticava de modo tão duro e directo uma administração fiscal que já em Outubro de 2008 respondia perante um ministro das Finanças e um primeiro-ministro do Partido Socialista?»
Isto é, o “grande repórter” sentiu que enquanto jornalista tem o direito de questionar um cidadão sobre as suas opções político-partidários, interrogando-o sobre o porquê de ter participado na vida política numa determinada forma. Por outras palavras, o “grande repórter” PPM sentiu-se no direito de questionar um cidadão sobre as suas opções políticas e sobre a forma com intervém na vida política. É evidente que para o grande repórter PPM se achou no direito de esquecer o direito de qualquer cidadão ao exercício pleno dos seus direitos constitucionais. Isto não é novidade em Portugal, mas quando no passado os portugueses eram questionados sobre as suas actividades políticas costumavam ser os inspectores da PIDE a fazê-lo e não os jornalistas. Bem, provavelmente o “grande repórter” estava tão animado por se sentir no papel de polícia a identificar um criminoso que se excedeu no interrogatório.
As fontes da notícia
Na notícia há dois tipos de informação: a suposta identidade do blogger ea referência a um processo.
Ainda que não o tenha referido na notícia o jornalista assegurou que tinha em sua posse um email meu onde me identificava:
«O i teve acesso a documentos, nomeadamente emails assinados por si e enviados através do endereço electrónico do blogue O Jumento (o.jumento@gmail.com). Tendo em conta essas provas sólidas e fundamentadas, pergunto-lhe, antes de entrar em contacto com o dr. Paulo Macedo ou qualquer outra entidade:»
Toda a gente deste país sabe quem usou mensagens de emails pessoais que recebeu para desempenhar o papel de bufo na orgia de perseguição política em torno do SIMplex. É evidente que o nosso “grande repórter” achou por bem proteger o bufo e não fazer referência ao email na notícia. Há quem diga que os amigos são para as ocasiões, mas também há quem diga diz-me com quem andas que dir-te-ei quem és.
A referência ao um processo é a segunda pista que aponta para as fontes da notícia. Como estou a imaginar o “grande repórter” a fazer investigação histórica nos arquivos do Ministério Público e a dar com um processo esquecido e cheio de pó e muito menos a supor que um magistrado do MP a apelas aos dotes investigatórios do “grande repórter”, é mais provável que os tal processo tenha vindo à memória de outra forma.
É evidente a contradição entre a informação do “grande repórter” e a notícia do Público quanto às causas do arquivamento, além disso a notícia do Público era mais pormenorizada do que as dicas que aparecem na notícia do “i”. Ou a partir do email o jornalista lembrou-se da notícia do Público e foi informar-se junto dos intervenientes, ou esse email não continha qualquer pista e foram os intervenientes no processo que foram contactar o jornalista, o que não excluo.
O certo é que a tal queixa ao MP, como refere o “i”, foi motivada por uma exposição dirigida pelo então director de Finanças de Lisboa ao director-geral dos Impostos, que nesse tempo era um actual administrador de um banco. Tínhamos então um “queixoso” e um director-geral a quem no exercício das suas obrigações cabia dar seguimento à queixa, assim sendo é muito estranho que o “grande repórter” em vez de me dizer que ia ouvir o queixoso optou por manifestar o interesse em ouvir o então director-geral que, como parece, o terá mandado pentear macacos.
Então porque razão o “grande repórter” não foi ouvir o queixoso?
O alcance da notícia
Tal como saiu a notícia não passou de um termo de identidade, como o “grande repórter” não terá tido tempo para me fotografar ao estilo da polícia Americana, com uma placa com o número do preso no peito e uma esquadria atrás, optou por arranjar uma imagem a baixa resolução e nem se cuidou de proteger a imagem de cidadãos que ele não visava. Sobre isso só tenho a lamentar não ter ficado bem na chapa, se soubesse dessa necessidade de o “grande repórter” exibir os meus dotes estético e apontar como se fazia antigamente “é este”, ter-me-ia disponibilizado para um casting no “i” ou mesmo enviado o meu “book” de modelo fotográfico, até estaria disposto a deixar-me fotografar ao lado do bufo e de quaisquer outras fontes com duas pernas, ainda que com pouca coisa entre elas.
O “termo de identidade” saído no ‘i’ não passou de um prémio de consolação, o que se pretendia era muito mais, mas o “grande repórter” teve de desistir por não ter forma de sustentar a tese. A grande notícia não era o acto de bufaria que o ‘i’ acabou por protagonizar para vergonha do seu director, colaboradores e de muitos dos seus leitores, era sim estabelecer a relação entre o SIMplex e a não recondução recentemente ocorrida do director de Finanças de Lisboa. Aliás, a imaginação do “grande repórter” foi tão longe que até imaginou uma relação retroactiva com o regresso do Dr. Paulo Macedo ao BCP, regresso pelo qual ele deve estar muito grato pois é agora administrador daquele banco.
Vejamos o que o “grande repórter” me perguntou no seu email:
« Sente que colaborou no afastamento do então director distrital de Lisboa e do director-geral de Impostos? »
Esta de sentir que se ajudou a demitir alguém tem a sua graça, só tenho a dizer que enquanto contribuinte cumpridor dei o meu modesto contributo para o sucesso dos responsáveis da direcção de Finanças de Lisboa, se as receitas fiscais na capital aponta para a existência de um paraíso fiscal ou outra coisa qualquer que tenha levado o governo a substituir o director de Finanças de Lisboa não sei. O que sei é que no período que mediou entre a famosa queixa e a substituição do director de Finanças de Lisboa este foi reconduzido pelo governo do PS e, se a memória não ma atraiçoa, até chegou a ser louvado.
É evidente que o único facto que poderia ser considerado como relevante para um jornalista era a substituição do director de Finanças de Lisboa, já que a saída do Dr. Paulo Macedo e o tal processo já faziam parte da história. É por isso que estranho muito que o “grande repórter” tivesse tanta vontade de falar com o Dr. Paulo Macedo e tenha esquecido da vítima da substituição. Poderia, por exemplo, divulgar os resultados brilhantes das receitas fiscais em Lisboa e questionar o governo sobre a substituição de um tão bom gestor do fisco num tempo de crise nas contas públicas.
O que está em causa
Fico com a sensação que a notícia pretendia “ganhar em dois carrinhos”, executava uma vingança e entrava na luta pelo poder da maior direcção de Finanças do país, a da cidade onde estão sediados os maiores interesses empresariais e as decisões dos responsáveis podem resultar em benefícios de muitos milhões de euros, a verdade é que o cargo de director de Finanças de Lisboa é mais importante para muitos interesses do que o de secretário de Estado ou mesmo de ministro, estes são muito importantes precisamente porque nomeiam os directores de Finanças.
Em Portugal há dois grandes negócios para os “gabinetes” a defesa judicial de traficantes de droga e de empresas que fogem aos impostos ou, muito simplesmente, que violam uma qualquer norma e se sujeitam a pagar tudo o que lhes é exigido pelo fisco e pelos gabinetes de apoio fiscal.
Sendo o ‘i’ propriedade de um grande grupo empresarial e estando no centro da notícia um importante centro de decisão fiscal pode-se equacionar a hipótese de esta notícia ir de encontro ao interesse do “patrão”, até porque muita gente estranhou este desvio na linha editorial de um jornal que teve o mérito de em pouco tempo ter ganho uma grande credibilidade. Não vou por aí, até porque, por outro lado, nesta notícia tocam-se em interesses que poderão ir até ao Caso BPN. Só o “grande repórter” sabe se apenas queria desempenhar o papel de administrativo da polícia ou se pretendia servir interesses ocultos ou, como está agora muito na moda, ajudar faces ocultas da economia portuguesa.
Nos últimos tempos ouvir falar de juras de vingança vindas de duas pessoas, coincidência das coincidências ambas foram directa ou indirectamente referidas pelo “grande repórter”.
Fico com a impressão de que a notícia visava dois objectivos: atacar o blogue SIMplex e vir em apoio de um lóbi que perdeu o domínio da mais importante direcção de Finanças, era como matar dois coelhos com uma cajadada. Mas o jornalista teve azar, falhou a cajadada nos coelhos e deu-a no primeiro “Jumento” com que se cruzou.