Quando vim estudar para Lisboa a minha mãe deu-me 500 escudos e mandou-me ir ter com um irmão que estudava medicina e residia na Residência Universitária Ribeiro Santos para que me desenrascasse o alojamento. Lá apanhei o comboio e segui viagem, aquele que era o comboio conhecido pelo “Rápido” partia de Vila Real de Santo António às três da tarde e chegava ao Barreiro lá para as sete e ainda tinha que apanhar o barco para Lisboa.
E assim chegue a Lisboa, lá fiquei na residência universitária e comecei as aulas no ISEG, durante cinco anos usava o velho 49, um autocarro de dois andares, entre a Av. Estados Unidos da América, onde também embarcava o Prof. Pereira de Moura, e São Bento, algumas vezes usava o 6 entre São Bento e a Av. Da Liberdade onde apanhava o Metro, muito raramente usava o 27.
O almoço era na cantina do ISEG onde também jantava se estudasse até mais tarde na biblioteca ou na cantina nova da cidade universitária. Descia a Av. Dos Estados Unidos, junto ao cruzamento com a Av. Rio de Janeiro e depois subia a Av. das Forças Armadas onde ficava a cantina. Aos domingos poupava no pequeno almoço e ia a pé até à Cantina Velha, junto ao Hospital de Santa Maria, a única que abria aos domingos. Por vezes ia à Rua do Coliseu onde uma tasca vendia um bitoque com ovo a cavalo por menos de 20 escudos.
Idas à terra era coisa para as férias de Natal, da Páscoa e de Verão, os fins-de-semana eram passados em casa, a estudar ou a ver televisão na sala comum a todos os residentes, ou a estudar no Trevi, na Av. de Roma. Para desenjoar dava-se uma volta pela Av. de Roma, passava-se pela “Maria”, a alcunha da balança que estava em frente ao Roma e com cinco tostões tínhamos direito ao peso à leitura da sina.
Quando acabei o curso lá procurei emprego e quando já estava empregado (num emprego tão precário como aqueles de agora o pessoal se queixa) fui chamado para a tropa, tinha de largar tudo e apresentar-me em Mafra, onde ficava a Escola Prática de Infantaria. Acabei por sair um mês e uma semana depois por decisão da junta médica devido aos problemas que já tinha evidenciado na inspecção mas na ocasião o médico de serviço mandou-me dar uma curva, justificou-se dizendo que se ele tinha ido à tropa eu também iria.
Naquele tempo alguns dos professores que tinham sido saneados do ISE criaram a Universidade Nova ou foram para a Universidade Católica e a regra dos anúncios de emprego era “Precisa-se de economista, licenciado na Universidade Nova ou na Universidade Católica”. Os tais professores tudo fizeram junto dos amigos do sector privado para criarem emprego para os seus alunos vendando-os aos alunos do odiado ISEG. Uma grande injustiça, da turma do meu quinto ano de económicas saíram alunos que hoje são professores na Nova, administradores da banca (dois deles até passaram pelo famoso BPN, um esteve lá um dia e o outro pouco mais pois rapidamente se aperceberam de que o banco era uma associação de malfeitores) e um é administrador da EDP, para referir apenas os mais próximos e cujas carreiras acompanhei.
Entregues as fardas em Mafra regressei à vida e fiz o que muitos da minha geração fizeram, apesar de o país estar a enfrentar uma grave crise em consequência de um acordo com o FMI a que foi obrigado depois dos disparates feitos por Cavaco Silva enquanto ministro das Finanças de Sá Carneiro, já não contava com o apoio da minha mãe que falecera entretanto e fiz o que muitos jovens da minha geração tiveram de fazer, desenrasquei-me.