Se a conspiração promovida a partir de Belém tentando acusar um governo de fazer escutas ao Presidente da República tivesse ocorrido nos EUA dificilmente Cavaco Silva teria terminado o mandato. Este foi apenas um dos episódios em que a Presidência da República se envolveu em manobras contra um primeiro-ministro democraticamente eleito. Mas como estamos numa democracia em que os políticos põem os seus objectivos pessoais acima dos valores Cavaco recandidatou-se e apesar de ter vencido as presidenciais por uma margem mínima foi eleito.
Não esperou muito e logo no discurso de posse abriu uma crise política que ganhou expressão com o chumbo do PEC, ainda antes de este ser discutido no parlamento já Manuela Ferrreira Leite, de quem ninguém dúvida que diz o que Cavaco pensa, liderava a luta por eleições antecipadas, fê-lo na reunião do grupo parlamentar e não admira que tenha sido ela a liderar o PSD no debate sobre o PEC IV. E para que não restassem dúvidas uns dias antes da queda do governo o mandatário nacional da candidatura presidencial de Cavaco Silva e Conselheiro de Estado, homem pouco dado a entrevistas e muito menos a actividade política, deu uma entrevista declarando que não havia alternativa a eleições antecipadas.
Pedro Passos Coelho não passou de uma marioneta em toda esta crise e é no mínimo estranho que a sua primeira decisão tenha sido pedir uma audiência a Cavaco Silva (ou terá antes sido convocado?) de onde saiu dizendo que ia chumbar o PEC. Entretanto, o Presidente que sabia muito de economia, que ia ter uma magistratura activa e que não queria uma segunda volta das presidenciais por causa dos mercados financeiros ficou em silêncio enquanto os habituais assessores anónimos de Belém iam passando a mensagem de que Cavaco considerava Sócrates culpado e que não ia fazer nada.
É evidente que as próximas eleições legislativas não serão uma luta eleitoral entre o líder do PSD e José Sócrates, Passos Coelho não passa de um peão de brega de Cavaco Silva tal como Manuela Ferreira Leite já o tinha sido nas últimas eleições legislativas. Pedro Passos Coelho não era o preferido de Cavaco Silva, esse estatuto pertencia a Rangel que perdeu apesar da discreta ajuda que recebeu, mas isso pouco importa a Cavaco, da mesma forma que deixou cair Manuela Ferreira Leite quando foi desmontada a mentira das escutas, mais facilmente deixará cair Pedro Passos Coelho por quem, aliás, não nutre grande consideração. Mas, enfim, quem não tem cão caça com gato, neste caso com coelho.
Na sua luta com Sócrates o Presidente da República ficou calado perante a conspiração do seu assessor Fernando Lima, chamou a Belém o sindicalista PSD dos magistrados dando expressão às insinuações de que Sócrates teria feito pressão sobre os magistrados, fez declarações insidiosas no caso do negócio da TVI e agora não hesita em empurrar o país para uma situação de insolvência. Compreende-se, Cavaco queria ficar na história como o político mais impoluto e competente, quanto ao impoluto foi o que se viu e quanto ao competente começa-se a perceber que não suporta a sombra que Sócrates lhe possa fazer. Deve ser difícil de ouvir Sócrates dizer que outros governos ficaram conhecidos como os governos do betão, enquanto o seu ficará conhecido pelo governo do saber e da ciência.
Se destas eleições resultar um governo sem maioria absoluta ou, pior ainda, se Sócrates ganhar, não serão os lideres partidários vencidos eleitoralmente que serão os derrotados, o grande derrotado será o país, os portugueses e a democracia e o grande responsável por esta situação será Cavaco Silva. Nesta situação fará mais sentido a realização de eleições presidenciais antecipadas do que as eleições legislativas que se vão realizar. E se a direita ganhar não atingirá o velho projecto de Sá Carneiro, a direita ter o governo e a presidência, será Cavaco que será o presidente e o primeiro-ministro, isto é, tenderá a ser um caudilho eleito por alguns portugueses para mandar em nome dos que o elegeram.
Cavaco é o pior presidente na história da democracia portuguesa, isto para não o comparar com Carmona ou Américo de Tomaz, é um político que não está à altura do cargo e não tem qualidades políticas para que seja reconhecido como o presidente de todos os portugueses.