Quando vejo tanta gente unida em defesa do interesse nacional sendo este o derrube do governo e a eleição de Passos Coelho para primeiro-ministro recordo-me de que “quando a esmola é grande até o pobre desconfia”. Nem quando vamos às compras temos descanso, ontem entrei no Pingo Doce e os altifalantes em vez de anunciarem mais uma fornada de pão sugeria a compra de um livro ao preço da uva mijona, é um estudo da Fundação Soares dos Santos (a do António Barreto) que acabava de ser publicado e era promovido perguntando aos clientes se achavam que iam ter pensão.
Já não vejo telejornais, faço zapping para o canal história para não assistir a debates e, pelos vistos, terei de deixar de ir às compras ou mudar de mercearia.
Nunca vi tanta gente empenhada em correr com um primeiro-ministro, uma causa que une o Bagão Félix ao Jerónimo de Sousa, o Mexia ao Pureza, o Soares dos Santos ao Francisco Louçã, o Pinto Balsemão à Manuela Moura Guedes, a Ferreira Leite ao Passos Coelho é mesmo uma grande causa e não e não se trata de um jogo decisivo para a selecção nos tempos de Scolari nem da independência de Timor.
Terá sido o Magalhães a irritar tanta gente? Terão sido as Novas Oportunidades que atiraram Carrilho para o colo do Mário Crespo? Terá sido a avaliação dos professores que levaram a louraça do Sol a ver em Paços Coelho um homem invulgar? Terão sido os cortes nas pensões da família Silva previsto no PEC IV que levou o mísero professor a ver no líder do PSD qualidades intelectuais que dantes não descortinava?
Já vi uma boa parte desta gente unida com receio de que chegasse um gay a primeiro-ministro. Muitos deles voltaram a unir-se para correr com um corrupto. Reanimaram-se porque eram inaceitáveis pressões sobre magistrados. Juntaram-se em manifestações de indignação pela ousadia do governo em fazer escutas a Belém. Agora juntaram-se todos novamente para apelar à vinda do FMI.
É evidente que nenhum deles está a defender os seus interesses, nenhuma dessas personalidades está ressabiada por ter perdido algum tacho, nenhum destes empresários está a defender o interesse das suas empresas, estão todos preocupados com o interesse nacional e com os jovens à rasca. Carrilho voltaria à marmelada com o Mário Crespo mesmo que o Sócrates lhe devolvesse o palácio em Paris, Pinto Balesmão não se retiraria da procissão mesmo que Sócrates fechasse a RTP e recomendasse a SIC aos anunciadores da estação pública de televisão e o António Barreto continuaria com intervenções dramáticas mesmo que o Pingo Doce triplicasse os lucros, até mesmo o Medina Carreira continuaria a pregar-nos cagaços se o Obama nos oferecesse o Fort Knox.
Este Sócrates deve ser mesmo do piorio e se eu não fosse desconfiado até era bem capaz de me juntar à procissão, até porque tenho muitas contas a ajustar com o homem, depois de cinco anos a aturar incompetentes no ministério das Finanças. O problema é que vejo nesta turba gente muito pior do que o Sócrates, economistas ainda piores do que o Teixeira dos Santos, sociólogos que medem a sociedade pelo crivo da conta bancária, filósofos viciados em palacetes de luxo e outras personagens que costumam levar-me ao vómito e do vómito ao voto ainda resta alguma distância.
Ironicamente há uma coisa que o Sócrates conseguiu e que me parecia imaginável, conseguiu juntar uma boa parte das personagens que detesto, nunca imaginei ver Cavaco, António Barreto, Louçã, Jerónimo de Sousa, Mário Crespo, Manuela Moura Guedes, Pinto Balesemão, Medina Carreira, o Alberto João e muitos outros juntos numa mesma causa, nem mesmo no futebol isso seria possível pois alguns deles nunca foram à bola. Este Sócrates deve ser mesmo uma grande malandro.