sábado, outubro 30, 2010

Umas no cravo e outras na ferradura

FOTO JUMENTO

Bairro de São Bento, Lisboa

JUMENTO DO DIA

José Sócrates e Pedro Passos Coelho

Como poderão explicar os líderes do PS e do PSD que tenham chegado a acordo em torno de algo que é do interesse nacional pressionados pelos mercados e políticos estrangeiros?

«Segundo apurou o Económico, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga preparam-se para formalizar um acordo que contempla cedências de parte a parte e que irá permitir, no próximo dia 3 de Novembro, que o Orçamento de 2011 seja viabilizado no Parlamento com a abstenção dos deputados social-democratas.

Governo e PSD terão chegado a um entendimento enquanto em Belém o Presidente da República ausculta o seu Conselho de Estado, convocado pouco tempo depois de, na quarta-feira passada, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga terem rompido negociações.» [DE]

ESTÁ RESOLVIDO O COMPLEXO CASO DA MORTE DO JAIME OVELHA

Ainda há quem defenda o burro!

PATÉTICO

Quando todos os portugueses já sabiam do acordo entre governo e PSD para o OE Cavaco Silva aproveitou a reunião do Conselho de Estado para, ao contrário do habital comunicado lacónico, fazer um tempo de antena da sua campanha eleitoral, dramatizando uma situação já inexistente.

LAMENTO POR UMA POLÍTICA PERDIDA

«Na semana em que Sócrates foi reeleito, perguntaram-me na SIC pelas medidas que ele devia tomar. Fiquei-me por uma só e, mesmo essa, óbvia. Era como aconselhar Álvaro Siza quando desenhou a pala da Expo: "Arquitecto, faça-a de maneira que ela não caia." Disse eu naquele debate da SIC: "Sócrates devia manter a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues." Grande espanto, no debate... Não sendo uma águia em análise política, uma coisa eu tinha por certa do primeiro mandato de Sócrates. Num sector prioritário, a Educação, tentou-se que os seus trabalhadores seguissem a mais elementar das normas profissionais: subir na carreira só por mérito. Maria de Lurdes Rodrigues (MLR) fora a cara dessa revolução (e aqui está uma definição de Portugal: revolução, por cá, é tentar que aconteça a um professor o mesmo que ao merceeiro que eu escolho para me fornecer e aos astronautas seleccionados pela NASA - ser examinado). Mas a ministra foi muito contestada e tinha de ser chutada no novo Governo. Daí o espanto pela minha proposta, no debate da SIC. E, de facto, MLR foi despedida. À custa da popularidade perdeu-se uma ministra com política certa. Hoje, as sondagens são desastrosas para o PS. Isso é o problema do PS. O problema de Portugal é que, com o receio de chegar mais cedo a essa impopularidade, o PS não nos garantiu como herança aquela política certa. » [DN]

Parecer:

Por Ferreira Fernandes.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

O INCÓMODO DA DEMOCRACIA

«Na semana passada, o presidente da Associação Sindical dos Juízes informou-nos de que as medidas de austeridade do Orçamento de 2011 são uma retaliação contra os juízes pelo facto de terem andado a "incomodar os boys do PS". Nesta, descobrimos que quando um juiz sindicalista se pronuncia sobre processos, qualificando-os como incómodos para membros de um partido e estabelecendo uma ligação entre esses processos e a política governamental e os reflexos desta nos juízes, o órgão que tem o dever de apreciar as violações do Estatuto dos Magistrados Judiciais (por exemplo quebras do dever de reserva, que estabelece não poder um magistrado pronunciar-se sobre processos a não ser em casos muito específicos) desaprova, pela voz do seu presidente - falo do Conselho Superior da Magistratura -, mas considera que o juiz falou enquanto sindicalista. O que deverá indiciar que só poderá ser chamado à pedra pelo Conselho Superior dos Sindicalistas, ou seja, por ninguém.

Aliás, a ASJ é que chama toda a gente à pedra. Os media dizem que um relatório europeu coloca a relação entre os salários dos juízes portugueses nos tribunais superiores e o salário médio no País entre as mais elevadas da Europa, e dá Portugal como uma das nações com mais juízes por cem mil habitantes? Ó da guarda que estão a "atacar" os juízes. A culpa, lê-se num comunicado da ASJ, é da Lusa (a agência pública de notícias, tutelada pelo Governo), que procurou "passar a ideia de que os juízes em Portugal são muitos, trabalham pouco e ganham demasiado". De seguida, a ASJ desmente as notícias "rotundamente falsas" que imputa à agência. O curioso não é só que várias das afirmações do comunicado - por exemplo que Portugal esteja a meio da tabela quanto à relação entre número de juízes e população total, quando na Europa Ocidental só quatro países têm um rácio mais elevado - sejam no mínimo um torção da realidade; o melhor é que aquilo que a ASJ desmente não estava na notícia da Lusa reproduzida nos jornais. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País com mais juízes", diz a ASJ. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País em que os juízes são melhor remunerados". Indiferente que nem a Lusa nem outro meio tivesse afirmado tal; na hora de desfazer aquilo que considera ser um ultraje à judicatura (a ideia de que possa ser menos que perfeita), a ASJ não se engulha com minudências. Aliás, ASJ não se engulha com nada. "Os juízes ascendem à função que ocupam por mérito próprio, mediante concurso público, depois de 20 anos de estudo e formação, e não por eleição ou nomeação, ou com base em favores ou privilégios", conclui o comunicado.

Repita-se, porque vale a pena: "mérito próprio" versus "eleição". "Eleição" na mesma categoria de "favores". É obra, é. É, nem mais nem menos, que a apologia dos déspotas iluminados versus essa porcaria da política e das decisões do povo - a coisa desprezível também conhecida por democracia. E o melhor de tudo é que pagamos a gente desta para nos julgar. » [DN]

Parecer:

Por Fernanda Câncio.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

A FANTOCHADA

«Jovem e com a frescura própria de quem nunca teve grande protagonismo político, surgiu como o redentor de um partido marcado por sucessivas lideranças falhadas. Mas o estado de graça depressa foi esmorecendo. A trapalhada com a inoportuna e inusitada revisão constitucional revelou um político com dificuldade em distinguir o essencial do acessório, perdendo tempo, o dele e o nosso, com batalhas sem sentido. Tanto mais que, nessa altura, o país já se encontrava no meio de um furacão financeiro. Embora de origem internacional, veio trazer à tona a realidade de uma economia excessivamente dependente do Estado e do dinheiro dos contribuintes.

Mas é na gestão política da viabilização do orçamento que Passos Coelho tem revelado a sua incrível impreparação. Há semanas que o país vem assistindo a contradições diárias, ora mostrando-se disposição para deixar passar, ora ameaçando com o chumbo, num jogo totalmente irresponsável. Para cúmulo, depois de mais uma negociação falhada, na quarta-feira passada o PSD convoca os jornalistas, à hora dos telejornais, para anunciar a sua decisão definitiva. Chegado o momento mágico, a decisão é afinal o anúncio de novo adiamento da decisão.

É claro que todos percebemos a razão de tanta vacilação. Passos Coelho sabe que, no final, terá de deixar passar o orçamento mas quer fazê-lo de forma a ficar o melhor possível na fotografia eleitoralista. Como esse tipo de fotogenia é difícil de construir, já que o sistema é complexo, a hesitação e manobrismo imperam. A situação concreta do país e dos portugueses é, para este efeito, uma variante menor. Aliás, alguém poderia fazer as contas de quanto já custou ao Estado português este jogo insano do PSD. E não falo de custo de credibilidade interna e externa, mas de dinheiro contado com os juros da dívida a subirem a cada vez que Passos Coelho se dá ares de jovem irreverente. E inconsciente.

Bem vistas as coisas, Passos Coelho ainda não saiu da JSD.

Mas, infelizmente, a insânia não afeta só a direção do maior partido da oposição. É no mínimo curioso que toda a gente diga que o orçamento é mau, mesmo péssimo para alguns, mas todos acham que deve ser aprovado. Aqui desconta-se o Partido Comunista e o Bloco que há muito não habitam o planeta Terra e, enquanto extraterrestres, tanto se lhes dá se vamos para a bancarrota ou não.

Até Pacheco Pereira, pouco dado a moderação como se sabe e sem o mais leve resquício de apreço pelo Governo, diz que ou se aprova o orçamento ou temos o caos. Mas caso mais caricato é o da UGT. Aderiu à greve geral contra um orçamento que exige que seja aprovado. De tanta figura patética que João Proença tem feito, na sua dupla condição de ser do PS e contra o Governo, esta é realmente inacreditável.

Há dias, Manuel Salgado disse-me que o problema da gestão política podia ser descrito com um exemplo simples. Há gente que quer divertir-se no Bairro Alto mas há outros que querem dormir. A conciliação é impossível. Qualquer coisa que a Câmara faça desagrada sempre a alguém. Aqueles que por estes dias dão inúmeros conselhos ao Governo para cortar aqui e ali, apontando defeitos no orçamento com a ligeireza das aparições nos telejornais, omitem que as coisas nunca são tão simples como parecem. Basta dizer que o próprio PSD que agora é tão radical no corte, sempre que esteve no governo aumentou significativamente a despesa pública. Tanto com Cavaco Silva, grande despesista aliás, como com Manuela Ferreira Leite.

Sendo certo que de momento o corte tem de ser brutal, dada a urgência, o estado de coisas só se altera mudando lentamente a estrutura económica do país. E isso não é feito com as demagogias do costume, estilo o vão trabalhar malandros do CDS ou a visão tradicionalista e nacionalista do PC, mas com um processo continuado de formação e modernização cultural, científica e tecnológica.

Hoje pode existir uma união nacional do ódio a Sócrates. Mas uma coisa já ninguém lhe tira. Só a geração Magalhães poderá realmente mudar Portugal. » [Jornal de Negócios]

Parecer:

Por Leonel Moura.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

OS TRISTES DIAS DO NOSSO INFORTÚNIO

«O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba, escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como, aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é inatacável.

O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas, oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que, habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa. Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico, nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan; incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude, característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca, recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.

Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha, minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém, teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram para um destino que não merece - é este homem sem jeito de estar com as mãos, de sorriso hediondo e de embaraços múltiplos, que quer, pela segunda vez, ser Presidente da nossa República. Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.

Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro e leitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia: "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de 'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"

Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os Lusíadas."» [Jornal de Negócios]

Parecer:

Por Baptista-Bastos.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

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