Os Jogos Olímpicos da era moderna estão longe de corresponder aos seus ideais, primeiro foi Hitler a ensinar às grandes potências como se podem usar os jogos para legitimar os seus modelos económicos, depois foi a indústria química que transferiu uma boa parte da competição dos estádios para os laboratórios.
É verdade que muitos atletas sonham com uma mera participação nos jogos e que alguns sonham com uma medalha olímpica, uma recordação para os seus feitos desportivos e, na maioria dos casos, uma porta aberta para o enriquecimento graças aos contratos publicitários. Os atletas sonham com medalhas, quase todos os países procuram conquistar um número de medalhas que confirme um maior protagonismo mundial, as televisões e o mundo da publicidade acotovelam-se para conquistarem audiências, as marcas desportivas disputam as medalhas dos atletas que patrocinam.
Para trás fica uma imensidão de vítimas, desde os muitos atletas que sonharam ser olímpicos e trocaram as escolas pelos ginásios, uma imensidão de crianças rejeitadas pela competitividade em modalidades como a ginástica, uma infinidade de antigos atletas a sofrer das sequelas dos abusos dos treinos ou do consumo de químicos.
O palco dos novos jogos vai ser de novo uma grande potência, ou um país que o pretende ser. Como sucedeu com muitos jogos o país anfitrião quer mostrar a vitalidade, senão mesmo a superioridade do seu regime político, para isso fez tudo o possível. Fez um simulacro de aligeiramento da repressão para fazer esquecer o massacre na praça de Tien An Men, gastou fortunas que graças à venda de mão-de-obra escrava e barata não lhe falta, arrasou quarteirões de Pequim e até tem feito experiências para controlar a pluviosidade. Imagino que também está a preparar cuidadosamente uma imensidão de atletas que garantam o número de medalhas que confirmarão a superioridade da sua ditadura sobre as democracias, do capitalismo de estado sobre outras formas de capitalismo, da liderança geriátrica do PCC sobre os lideres eleitos democraticamente.
Só que quem ocupa uma nação que deixou de ser independente porque o PCC decidiu impor aos seus cidadãos as delícias do modelo político chinês corria o risco de ver a festa estragada pelos tibetanos. Da mesma forma que o Afeganistão estragou a festa dos jogos realizados em Moscovo, ou que o Iraque estragaria a festa aos americanos se os jogos se realizassem em Los Angeles.
A China poderá fazer uma encenação que maravilhe os turistas e encha o peito aos que por cá nem queriam ouvir falar dela quando ainda existia a URSS, até pode encher as prateleiras de medalhas. Mas não conseguirá impedir que o ribeirinho da liberdade continue a correr, lá ou no Tibete.