sexta-feira, março 28, 2008

Overdose de educação


O caso da Carolina Michaelis vem pôr em evidência a forma como os portugueses discutem e não resolvem os problemas. Estão a tomar uma overdose de problemas da educação, todos os grupos envolvidos aproveitam para obter pontos para as suas lutas tribais, todos somos especialistas em violência nas escolas (da mesma forma que somos especialistas em tsunamis, localização de aeroportos, quedas de pontes, avaliação de professores, combate à criminalidade, ordenamento do território, cheias e enxurradas e muitos outros domínios das tecnologias ou da sociologia).

Daqui a alguns dias um qualquer jornal avança com uma primeira página que desperta a indignação colectiva, damos o assunto da indisciplina nas escolas por resolvido e os nossos dez milhões de especialistas vão discutir o novo tema, talvez a questão da terceira travessia do Tejo, do aumento do preço dos produtos agrícolas ou, se outro assunto não surgir, teremos sempre a oportunidade de debater o preço do crude ou as idas às bombas de gasolina espanholas.

Por agora vamos resolver o problema da indisciplina e explicações e soluções para o fenómeno não faltam. Para o bastonário da Ordem dos Advogados o problema resolve-se à semelhança da justiça desportiva, se um aluno rasteirar a professora leva um amarelo, que a rasteira for por trás leva um vermelho e se a falta tiver ficado por assinalar mas as imagens foram colocadas no Youtube avança-se com um processo sumaríssimo. Para o conselho executivo da escola Carolina Michaelis a solução foi sábia, entendeu que problema que não se conhece é problema resolvido, optou por abafar o assunto, como se este jogo tivesse ocorrido no tempo em que não se faziam filmagens. O PGR achou que a escola é o primeiro estádio da aprendizagem da criminalidade pelo que é de pequenino que se torce o pepino, aplica-se o Código Penal dos pequeninos, isto é, julga-se em Tribunal de Menores. Para o sindicato a situação é fácil de encontrar, socorrendo-se dos seus conhecimentos do socialismo científico o líder da Fenprof depressa descobriu que nem professores, nem alunos eram culpados, ambos os grupos são vítimas do mesmo inimigo, os fenómenos do ensino são facilmente explicados à luz da dialética das luta de classe que no ensino se traduz pela existência de duas barricadas, de um lado está o patrão governo e do outro todos que participam nas escolas.

É bom recordar que antes da dialéctica da luta de classe se ter transferido para a avaliação dos professores a questão da violência nas escolas esteve no centro das preocupações nacionais, durante duas ou três semanas não se falou de outra coisa. Lembro-me que até foi criada uma linha azul para os professores denunciarem situações de violência.

Como é costume em Portugal o problema está em vias de solução, a não ser que alguém se lembre de propor que a tropa além de ajudar no combate aos incêndios e de assegurar a segurança num quarteirão de uma cidade do Kosovo também deve disponibilizar alguns dos velhos Panhard para assegurarem a tranquilidade nas escolas. A matulona do Carolina Michaelis vai agredir os professores de outra escola mas desta vez sem vídeos no Youtube, a progenitora vai deixar de fazer telefonemas ao rebento na hora das aulas, o conselho executivo regressa à tranquilidade, o bastonário da Ordem vai preocupar-se com o mapa judiciário, o Procurador-Geral vai reflectir sobre a sua próxima entrevista que desta vez deverá ser dada a uma estação de televisão depois de ter sido vedeta no Expresso e no Sol, o líder da Fenprof vai actualizar a lista de contactos do telemóvel para organizar a próxima manifestação espontânea, o secretário de estado vai reparar o penteado pois os safanões dados pela matulona desarranjaram alguns caracóis.

Em suma, o problema está resolvido.