Com a crise financeira parece que a caça aos liberais abriu em simultâneo com a caça às espécies cinegéticas, tal como sucedeu com as perdizes e as lebres parece que os liberais também desapareceram, os nossos caçadores armados de caneta têm tido menos sorte do que os das espingardas pois para os últimos ainda não há reservas de caça turística o que não sucede com os liberais, os neo-liberais e outras espécies cinegéticas da teoria económica.
O Pacheco Pereira ainda se mostrou, veio em defesa da eficácia da mão invisível num extenso artigo de jornal, mas quinze dias depois escreveu no mesmo jornal que afinal o Adam Smith era maneta. Das duas uma, ou os liberais desapareceram ou foram vítimas da alteração climática e trocaram de hábitos com os ursos, os bichos que são a alegria da pequenada sob a forma de peluche deixaram de hibernar e os liberais ocuparam-lhes as tocas, até que venham melhores tempos.
Desde Soares a Manuel Alegre, tudo personalidades que ficarão para a história como profundos conhecedores do pensamento económico, asseguram que o liberalismo morreu, Marx é que tinha razão. Dito desta forma a comparação não deveria ser entre Karl Marx e Adam Smith, David Ricard ou Stwart Mill ou os seus herdeiros, deveria ser entre Karl Marx e Nostradamus. Por sua vez, Karl Marx deve estar danado lá na cova a pensar que estes tipos são todos uns tansos, se ele fosse vivo nestes tempos difíceis preferiria acertar no Euromilhões, não teria precisado da ajuda económica de Engels.
Quem se deve estar a rir deste debate é o Jerónimo de Sousa, deve perceber tanto do Capital de Karl Marx como Mário Soares, mas ao menos para ele o marxismo não é uma questão de palpites que acertam um século depois, para o Jerónimo de Sousa o marxismo é uma teoria científica. Marx acertou nesta crise com a mesma precisão com que os cientistas medem o diâmetro dos anéis de Saturno. Só que como o socialismo científico é tão complexo só pode ser comprovada de forma empírica, primeiro acontece e depois tiram-se as medidas. Ainda por cima a única versão em português de "O Capital" foi uma tradução da versão original em alemão feita pelo danado do Vital Moreira que, ainda por cima, nem completou o serviço. Isso de aplicar as fórmulas de Marx a partir de traduções do russo tem os seus riscos, aplicado à astronomia pode significar que um astronauta que pretende ir para Marte corre o risco de bater com os burrinhos em Plutão.
Os mesmos que viam na síntese entre o marxismo e o liberalismo o santo graal da social-democracia, até anunciaram a terceira via para se direitinho para o paraíso dizem agora “cruzes canhoto” do liberalismo e afirmam-se marxistas tão puros como se estivessem no século XIX, descobriram que o marxismo é como o Vinho do Porto, quanto mais velho melhor. Da mesma forma, os que viam na intervenção estatal a mão do diabo a querer transformar a economia num inferno, deram entrada na Cartuxa e tiraram um curso acelerado de frades de reclusão.
Os que conseguiram ingressar no recolhimento da Cartuxa esperam impacientemente que Jerónimo de Sousa, depois de ter chamado a si a certificação de quem é de esquerda, abra uma repartição no Centro Vitória para certificar os cidadãos inocentes que nunca foram liberais e muito menos neo-liberais. Desta forma poderão andar descansados pois terão acesso ao céu, em vez de irem para o purgatório se forem liberais, ou para o inferno que tiverem cometido o pecado mortal de serem neo-liberais.
Por este andar ainda vou ver o Pacheco Pereira na fila à espera de chegar a sua vez para receber o certificado que garante que nunca foi liberal nem coisa que se pareça, podendo então circular livremente por Lisboa sem levar uma galheta bem dada pelo Manuel Alegre ou ouvir de Soares um "desapareça daqui" igual ao que ouviu o coitado do agente da Brigada de Trânsito.
São assim os nossos pensadores, enquanto por esse mundo fora procuram uma solução que salve o capitalismo e o dinheiro da China comunista, por cá os teóricos optaram por reconstituir um ringue de luta entre correntes do pensamento económico como se estivéssemos no século XIX. Isso não me espanta, afinal as personagens que mais têm criado agitação no museu de cera da política portuguesa há muito que pertencem ao domínio da história do pensamento político português. Morreram politicamente mas alguém se esqueceu de os enterrar.