Ouço muito dos nossos ilustres economistas defenderem que o programa de obras públicas deve ser revisto ou suspenso, que o salário mínimo deve continuar como está, que os vencimentos dos funcionários não devem aumentar tanto, etc., etc.. Os argumentos são os habituais, o endividamento externo, as incertezas quanto ao futuro e as limitações ao crédito.
Antes de mais apetece-me concluir que para estes economistas a receita é sempre a mesma, seja Verão, seja Inverno, desde que me conheço que são contra aumentos de vencimentos e pela redução do Estado a pouco mais do que os postos da PSP. Umas vezes é por causa do défice público, outras pelo desequilíbrio orçamental, por causa da competitividade das empresas, enfim, há sempre bom motivos para que os pobres não abusem do rendimento para que os ricos possam poupar e investir mais uns trocos.
Só que esta receita já foi aplicada muitas vezes e, pelo que se tem visto, nada mudou a não ser o aumento constante das assimetrias na distribuição do rendimento. E quando há aumentos de emprego isso é conseguido à custa de raparigas do shopping ou de serventes de pedreiro.
É curioso que muitos dos que defendem a contenção salarial ainda há poucos meses vieram em defesa das altas remunerações dos gestores das nossas empresas, diziam que eram merecidas. Serão mesmo? Se aplicasse os seus bons critérios a esses vencimentos teriam que dizer que se as nossas empresas não são competitivas, não inovam e dependem dos baixos salários é porque são mal geridas. Ora, se são mal geridas os seus gestores deveriam ser penalizados e remunerados de acordo com a pouca competência que demonstram. Só que amigo não empata amigo e como gestores e economistas andaram na mesma escola a solidariedade de grupo sobrepõe-se à verdade.
Os que são agora contra as obras públicas são também os mesmos que no passado nunca a criticaram, porquê? Dantes eram os fundos comunitários a pagá-las, agora a comparticipação desses fundos é menor ou está a acabar, isto é, os nossos ilustres economistas eram keynesianos quando as obras eram financiadas pelos contribuintes de outros Estados-membros da União Europeia e passaram a ser liberais quando as mesmas obras são pagas pelo nosso país. Quando eram os contribuintes alemães, franceses, dinamarqueses ou franceses a pagar não havia preocupações com a corrupção, o acesso ao crédito, a necessidade das obras, estavam todos de acordo. Agora é aquilo que se vê.
É verdade que os tempos são difíceis e sem minas de ouro por descobrir ou poços de petróleo por explorar e com o Estado a mostrar as suas partes devido ao uso do fio dental orçamental pouco resta para explorar. Não podemos ir buscar o dinheiro aos ricos porque o dinheiro deles é capital, não podemos aumentar impostos porque só se cobrarmos aos ricos, não podemos despedir muitos funcionários porque os partidos do “arco”do poder poderiam ser transferidos para o “arco” da oposição interna. Quem resta? Restam os pobres porque ao contrário do que sucede na casa do rico, na casa do pobre onde comem dois, comem três, basta juntar duas colheres de arroz e um pouco de água. Além disso os pobres não podem fugir a não ser emigrando, pelo contrário, os ricos fogem e se não fogem metem o dinheiro lá fora e declaram o ordenado mínimo para efeitos de IRS.
É uma receita cínica, monótona e que revela que em décadas os nossos economistas ainda não mudaram muito, nem sequer se adaptaram a uma democracia, ainda vivem nos tempos em que uma ditadura paternalista decidia quando é que os pobres podiam comer mais qualquer coisinha. Além de cínica é oportunista pois enquanto defendem esta receita deprimente para o país esperam que a França, a Espanha e a Alemanha adoptem a receita inversa.
Bom, bom é que lá fora os governos decidissem exactamente o contrário do que propõem por cá, se as grandes economias da Europa adoptassem os mesmos princípios até os nossos gestores teriam que se apresentar nos seus luxuosos gabinetes calçados com alpargatas. Para os nossos economistas espertalhões o ideal seria que pró cá se praticasse o ultra liberalismo enquanto os nossos parceiros comerciais se convertessem ao keynesianismo mais puro, dos tempos do New Deal.
São uns espertalhões estes nossos economistas, só não percebo porque andaram a queimar as pestanas em doutoramentos no estrangeiros, para dizerem sempre o mesmo não teria sido necessário tanto estudo. As suas soluções estão para a economia como o cozido à portuguesa está para a gastronomia lusa, há décadas que são sempre as mesmas, da mesma forma que não é necessário contar no Guia Michelin para fazer um cozido, também não é necessário estudar em Chicago para propor o que os nossos ilustres economistas propõem.