A grande lição que temos a tirar da crise financeira é a de que o mercado financeiro funcionou durante anos com base em mentiras. Apesar de todas as contabilidades, informação financeira quase diária, auditorias externas e organismos reguladores os investidores, principalmente os mais incautos viram-se enredados num esquema global que funcionou graças à mentira. A situação não é nova, já tinha sucedido com a Enron mas apesar de todas as afirmações feitas então tudo continuou na mesma. O fenómeno é global, também por cá muitos investidores do BCP foram enredados em esquemas duvidosos e foram levados a investir com base em informação errada, situação agravada pela opacidade da gestão do banco que encobria negócios menos transparentes, que puseram em causa o seu valor e credibilidade.
Será a mentira uma consequência perversa de uma gestão dita por objectivos que resulta em prémios de montantes absurdos para os gestores? A figura do patrão foi substituída pela atomização dos accionistas que apenas estão preocupados com a cotação das suas acções, pouco lhes importa a situação real das empresas, medem o seu sucesso pelas cotações das acções da bolsa. Pouco importa que os lucros sejam resultados de truques contabilísticos ou assentes em operações do tipo Dona Branca, se as cotações sobem todos os prémios ganhos pelos administradores são merecidos.
A mentira propagou-se pelos mercados, hoje ninguém é capaz de dizer qual o banco que está imune à crise, ninguém acredita nas suas contas nem é capaz de distinguir quais as aplicações que são seguras. Os mesmos administradores que ontem ganhavam milhões e que tinham meio mundo a defendê-los, dizendo que mereciam o que ganhavam e muito mais, não têm credibilidade, qualquer cidadão tem mais confiança no vendedor que anda na Rua Augusta a tentar vender louro como se fosse haxixe no que no presidente da Goldman Sach, ao menos todos sabemos que o primeiro é aldrabão.
Mas não é apenas o sector financeiro que se habituou a alimentar da mentira, esta também é a regra do sector público. Basta ler os relatórios de actividades de qualquer instituição pública para se perceber que se vive num mundo de fantasia, que me lembre nenhum director-geral reconhece erros ou insucessos. Desde o modesto chefe de divisão ao director-geral todos conseguem superar os objectivos, todos conseguem melhorar as instituições de ano para ano, todos vivem da mentira que alimenta o auto-elogio.
Vejam-se, por exemplo, os relatórios da DGCI, ao longo de anos foram só sucessos, nem o ano negro de 2003 escapou a um relatório que dá conta de uma gestão bem sucedida:
«Num ambiente adverso, os dirigentes e funcionários da DGCI, em geral, desenvolveram discretamente e com notável espírito de serviço público, a respectiva actividade, como se pode constatar ao longo do relatório que se segue, tendo não só conseguido alcançar níveis de receita inesperados como repor a justiça tributária e converter em contribuintes cumpridores muitos cidadãos afastados, impunemente, das boas práticas ao longo de muitos anos.
Globalmente, a receita realizada pela DGCI ultrapassou as previsões revistas, embora afectada por elevados níveis de benefícios fiscais, designadamente isenções temporárias, transmissibilidade e reporte de prejuízos e amortizações extraordinárias em sede de IRC. »
É esta a realidade de todos os serviços públicos, a metas são as facilmente realizáveis senão mesmo já quase realizadas, os objectivos são seguros e os resultados são sempre brilhantes.
Quer no sector público, quer no sector privado os gestores aprenderam a dominar a arte da mentira, só que se no Estado ficamos com a sensação de nada perdermos, no caso do mercado financeiro pode suceder a desgraça a que estamos a assistir. Aos gestores pouco importa que se apanhe mais depressa um mentiroso do que um coxo, quando são apanhados já não perdem os avultados prémios nem ninguém lhes tira a pensão de director-geral.
Aditamento:
Contributo do Francisco.