Com a crise financeira o disparate anda à solta, governantes, partidos da oposição, comentadores, economias e cidadãos comuns desataram a teorizar sobre o mercado financeiro e a exigir regulação, Num dia o mercado é uma roleta, no outro sabemos que o dinheiro da segurança social andou nessa roleta, num dia garantem-nos que há uma mão invisível e no outro asseguram que os que acreditam na mão invisível confiam no maneta.
Mas afinal o que é o mercado financeiro? Imaginemos que um chinês que trabalha numa fábrica têxtil em regime de cama quente, alimentado pela esperança de vir a ser mais rico do que o Stanley Ho, decide investir as suas poupanças. Se não for viciado no jogo, em vez de apanhar turbo jet para Macau vai à agência do Banco da China e investe num qualquer fundo. Por sua vez, o Banco da China junta todos estes investimentos e vai procurar investimentos na bolsa de Hong Kong, provavelmente reinveste num fundo de investimento de um banco internacional, este vai vender o dinheiro a um banco português que precisa dele para emprestar a crédito ao senhor Silva que pretende comprar um apartamento para a filha. Tanto podia ser o senhor Silva, como o senhor John que vai comprar uma casa em Chicago ou senhor Suarez, um pequeno comerciante da Colômbia.
O mercado financeiro teve a virtude de fazer com que o dinheiro do senhor Chang permitisse à filha do senhor Silva ter casa, porque quem casa quer casinha. O senhor Silva nunca há-de ouvir falar do senhor Chang e ficará eternamente grato ao senhor Ricardo Salgado ou ao banqueiro local que lhe fez o especial favor de emprestar-lhe o dinheiro que vai fazer a felicidade da filha. Nem o senhor Silva, nem o senhor Chang, nem mesmo o senhor Ricardo sabem as voltas que o dinheiro deu, o dinheiro circulou à mesma velocidade com que se acede a uma qualquer página Web.
Se no meio de todo este circuito houver um senhor Ricardo mais maroto e descobrir que pode ganhar muito mais se em vez de ter emprestar apenas ao senhor Silva, desatar a emprestar sem critério e sem se assegurar de que os clientes do banco vão poder pagar o empréstimo, é muito provável que o senhor Chang se venha a arrepender de ter depositado o dinheiro no banco em vez de o estoirar num casino de Macau.
Como vamos regular isto? Se o dinheiro fosse um queijo seria fácil, por cada passagem numa alfândega chamavam-se as autoridades sanitárias competentes, que certificariam a qualidade. Os queijos não poderiam ser armazenados em armazéns manhosos como as off-shores e quando o senhor Silva decidisse banquetear a família com um queijo chinês, acompanhado de um carrascão não haveria problemas. O queijo ostentaria um etiqueta com letras a amarelo assegurando que o produto era proveniente da queijaria do senhor Chang, em Hong Kong, indicaria a data de fabrico, o teor em gordura, o nome do importador português e passaria pelo crivo da ASAE. O senhor Chang receberia o dinheiro e o senhor Silva não teria que ira a correr para o wc mais próximo agarrado às calças.
Só que o dinheiro não são queijos e fazer fluir biliões e biliões de dólares de forma a que o dinheiro de quem poupa chegue a quem dele precise e esteja disposto a remunerá-lo não é coisa para peritos veterinários. O dinheiro não circula com etiquetas nem tem certificação de origem, quando isso suceder voltaremos ao sistema financeiro do século XIX.
É evidente que são necessárias regras, principalmente regras penais para quem vicie as regras do jogo, mas pouco mais se poderá fazer. A actual crise financeira poluiu o mercado financeiro com títulos que agora chamam tóxicos, o mercado está tão poluído como as costas do Alasca quando o Exxon Valdez se afundou devido à irresponsabilidade de um comandante. Vai levar algum tempo para que os danos desapareçam, até que a poluição deixe de se fazer sentir no mercado.
Depois a confiança regressará e o senhor Chang voltará a fazer os seus depósitos, até porque só tem duas alternativas, ou ser roubado pelo banqueiro se depositar o dinheiro no banco, ou pelo mafioso da sua rua se o esconder debaixo do colchão. Só que o senhor Chang descobriu que há leis para meter o mafioso na cadeia, enquanto o banqueiro rouba e ainda recebe um prémio.
Por cá o Lidl queria prender uma cliente por supostamente ter roubado um creme de 3,99, na América os banqueiros que receberam milhões em prémios para tramarem milhões de senhores Chang vão voltar a receber prémios por resolverem a crise dos seus bancos com o dinheiro de milhões de senhores Silvas.