Comecei pelo XI Governo Constitucional já que no site do Governo o programa do X Governo Constitucional está incompleto. O programa é claro quanto à necessidade de investimentos em estradas:
«As vias de comunicação constituem uma condição básica para o desenvolvimento económico e social equilibrado do País. Por isso o Governo reafirma a necessidade de continuar o esforço financeiro e organizativo do sector.»
A afirmação do princípio do “desenvolvimento económico e social” é suficiente para decidir tudo e quanto a novas auto-estradas o programa fica-se por dizer quais devem ser construídas:
«Prosseguirá o esforço de construção de autoestradas, devendo a concessionária cumprir com o seu contrato executando, até final de 1989, a ligação entre Braga e Coimbra, e até 1992 a ligação entre Braga e Setúbal. Prevê-se a ampliação do âmbito da concessão da BRISA com a fixação das datas da entrada em serviço dos novos lanços que se venham a justificar.»
Ora aí está o que Cavaco entendia por custo/benefício, era dizer o que ia ser construído e parafraseando um futebolista “prontsh!”.
Note-se que já neste tempo Cavaco estudava a localização do novo aeroporto de Lisboa, algo que quando chegou a Presidente resolveu de uma penada, bastou-lhe um estudo da CIP:
«Prosseguirá a modernização do aeroporto de Lisboa ao mesmo tempo que se concluirão os estudos referentes à concepção geral, localização e data de entrada em serviço do novo Aeroporto de Lisboa.»
Vejamos como Cavaco evoluiu ao fim de mais de cinco anos de governo, o que constará do programa do XII Governo Constitucional. O prinício keynesiano foi melhorado:
«As infraestruturas e actividades de transportes, obras públicas e comunicações desempenham um papel fundamental na intervenção do Estado em apoio ao desenvolvimento económico.»
E ainda prometia «uma política de infra-estruturas de transportes e comunicações agressiva, que garanta melhores ligações urbanas, inter-regionais e internacionais»
Quanto a auto-estradas prosseguia-se na rotina, era só dizer ass que iam ser construídas:
«No que respeita a auto-estradas, prosseguirá o programa de construção dos novos troços, de acordo com o contrato de concessão estabelecido entre o Estado e a Brisa S.A., e proceder-se-á ao alargamento e renovação de troços críticos.»
Conclusão, quando se ouvem os conselhos, críticas e recados de Cavaco Silva devemos seguir o velho princípio de que “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”.
Mas vejamos o que dizia o programa de Durão Barroso, o XV Governo Constitucional, em que Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças. Já se sente a mãozinha de Manuela Ferreira Leite, mas mais numa perspectiva de forretice do que de qualquer avaliação custo/benefício:
«As avaliações prévias dos diversos projectos devem ser de natureza sócio-económica, incluindo os aspectos ambientais para além da componente financeira. Por outro lado, sendo muitas as necessidades e escassos os meios, deve ser efectuado um esforço de aproveitamento ao máximo das infra-estruturas já existentes, melhorando-as, naturalmente, mas construindo de raiz somente quando tal se revelar justificado e fundamentado.»
Como é que se decidem as grandes obras? O programa define-o:
«As decisões têm, assim, de estar apoiadas em avaliações sócio-económicas consistentes e de ser tomadas no quadro de uma estratégia que assente:
- na diminuição das assimetrias regionais do território nacional;
- na aproximação de Portugal da Europa, acelerando o curso da convergência real;
- na contribuição, através do investimento público em infra-estruturas, para o crescimento económico; e
- na compatibilização dos grandes projectos com as linhas fundamentais das políticas de ordenamento do território, de salvaguarda dos valores ambientais e do património histórico-cultural.»
Onde é que está o custo/benefício ou a preocupação com as gerações futuras de que falou Paulo Rangel no dia 25 de Abril? Eu não encontrei, mas reparei nas prioridades: «a prioridade à execução dos projectos de ligação da rede de auto-estradas nacionais às redes transeuropeias de auto-estradas, através do reforço de cooperação neste domínio com Espanha».
Achei que o XVI Governo Constitucional, de Pedro Santana Lopes, merecia uma olhadela e reparei no regresso aos bons princípios keynesianos:
«Uma das atribuições importantes do Estado é garantir a implementação de redes de infra-estruturas modernas e eficazes, de forma a favorecer e melhorar a mobilidade de pessoas e bens e da informação, com maior segurança, rapidez e comodidade, enquanto factor decisivo para o crescimento, desenvolvimento económico e qualidade de vida.»
E mais uma vez o grande princípio das obras portuguesas, a preocupação com a ligação às redes transeuropeias:
«Em matéria de acessibilidades, os projectos nacionais devem privilegiar a conexão à rede transeuropeia, tendo em vista a minimização dos constrangimentos derivados da nossa localização geográfica e a valorização dos nossos recursos naturais e geo-estratégicos em matéria de transportes rodoviários, ferroviários, marítimo e aéreo, reforçando o papel das relações transatlânticas. Para tal, contribuirá também a implementação de um sistema logístico, integrador dos diversos modos de transporte e potenciador de uma mobilidade mais eficiente e rentável.»
Curiosamente se tivesse que escolher o melhor programa pela abordagem que faz do tema e pelos princípios que defende teria que optar pelo governo de Pedro Santana Lopes, explica o que Cavaco nunca explicou nos seus programas e justifica melhor as opções do que o de Durão Barroso.
Conclusão: neste debate sobre as decisões políticas de grandes obras pública há um grande défice de memória e de honestidade intelectual por parte de alguns intervenientes. Os programas de Cavaco Silva pareciam meras notas da sua vontade, as decisões quanto a grandes obras públicas pareciam obedecer a notas feitas na toalha do bar de São Bento!