Nos tempos que correm nunca sabemos quando um procurador se pode sentir, ofendido, ameaçado, intimidado, pressionado, influenciado ou outras coisas próprias de gente sensível e temerária. Corremos um sério risco de ainda estarmos a fazer a digestão e enquanto nos esticamos no sofá tomar um digestivo ligarmos a televisão e darmos de caras com o senhor Palma a denunciar uma intimidação sobre os seus colegas e a pedir uma audiência a Cavaco Silva através das câmaras.
Antes de nos sentarmos à mesa com tão distintas e sensíveis personalidades convém mandar estudar o nosso arbusto genealógico para nos certificarmos de que até à quinta geração não temos ninguém na família com ligações a Sócrates ou a qualquer outro potencial inimigo da corporação dos justiceiros, um ministro, um presidente da câmara ou mesmo um presidente de junta se na jurisdição da mesma mora algum procurador. Se um nosso antepassado andou a fazer das suas para os lados da Covilhã e insistirmos no almoço a conversa deve resumir-se a um “olá, bom proveito” e, para finalizar, um “até à próxima se Deus quiser”.
Não convém sequer falar de meteorologia, ninguém sabe se o procurador é agricultor nos fins-de-semana e qualquer previsão de seca se transforma uma praga, se o homem for supersticioso imagina logo que está a desejar que sobre as suas terras caia uma praga de gafanhotos. Vai para casa, não dorme a pensar na desgraça que se avizinha, deixa de poder investigar com a necessária serenidade, acorda sobressaltado a meio da noite, pega no telefone e liga ao senhor Palma a denunciar que foi vítima de uma intimidação. Vão descobrir que o procurador está a investigar os dinheiros numa off-shore, que lá estão depósitos de um primo do seu vizinho com quem toma regularmente a bica, isto é, a praga foi lançada a pedido do vizinho.
Se quiser rogar-lhe uma praga faça-o em pensamento e copie uma das dos cuicos de Monte Gordo. Por exemplo “que havia de ter uma febre tão alta que até a fivela do cinto se derretesse”, ou que “havia de ter uma dor de estômago tão grande, tão grande que quanto mais doesse mais corresse, quanto mais corresse mais doesse e quando parasse arrebentasse”. Mas faça-o em silêncio e longe do magistrado, nunca se sabe se já não há por um aí uma nova tecnologia capaz de escutar o que pensamos.
Bem, o melhor é não almoçar com magistrados para ficarmos a salvo dos ouvidos do senhor Palma, vai ver que pode almoçar descontraído e falar de tudo sem recear que o seu interlocutor faça xixi pelas calças abaixo e vá a correr queixar-se ao senhor Palma.