sexta-feira, junho 11, 2010

O Cavaco dois em um



Portugal tem dois Cavacos, o Cavaco Presidente da República e o Cavaco candidato a Presidente da República, o problema é que como o primeiro nunca mais diz que também é o segundo nunca sabemos qual deles está a falar. Isso foi evidente no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a maioria dos comentadores, incluindo os que o apoiam activamente admitiram que o discurso oficial foi eleitoralista.

Qual dos dois Cavacos disse que a situação da economia era insustentável? O Cavaco candidato que quer provocar a erosão do primeiro-ministro sabendo que este apoiou a candidatura do Manuel Alegre ou o Cavaco Presidente da República que está preocupado com o país. É evidente que um Presidente da República abre portas para o diálogo, pratica a cooperação estratégica tantas vezes prometida, não tenta degradar a imagem do primeiro-ministro. Ao contrário, o candidato que pertence a uma área política diferente da do primeiro-ministro que não o quer ver reeleito aposta na erosão da imagem deste pois não só pretende ser reeleito como sonha com um governo do seu partido.

Qual dos dois Cavacos propõe um compromisso social, o Presidente ou o candidato? Se foi o Presidente que fez a proposta convidará sindicatos e associações empresarias a Belém para ouvir as suas opiniões e estimulá-los ao diálogo, algo que seria melhor compreendido do que quando chamou a Belém um conhecido latifundiário do PSD para lhe falar sobre as supostas pressões sobre os investigadores do caso Freeport. Em vez disso, um candidato faz o apelo vago, promove a sua imagem de unificador nacional para depois dizer aos jornalistas que não se pode pronunciar sobre nada, designadamente, sobre reuniões entre sindicatos e associações profissionais.

Se um Cavaco que afirma a importância das forças armadas e a necessidade de investir no seu equipamento se porta como um Presidente, o Cavaco que uns dias antes apela aos portugueses para passarem férias em Portugal para combater o endividamento externo não pode ser o mesmo, é o Cavaco candidato, a não ser que esteja a apelar aos portugueses que ficarem no país para poder haver dinheiro para metralhadoras.

É evidente que não se espera que um Presidente da República diga no momento em que toma posse que vai ser candidato daí a cinco anos, até se poderá compreender que retarde o mais possível essa comunicação para assegurar a sua isenção no desempenho do cargo, apesar de todos os portugueses saberem qual é a sua intenção. Mas nesse caso deve exercer o cargo com total isenção e não promover as suspeitas que supostamente quer evitar comunicando a sua decisão.

Só que é cada vez mais evidente que Cavaco Silva está a adiar a divulgação da sua decisão para usar o resguardo do cargo que exerce para promover uma candidatura protegida pela dignidade do estatuto de Presidente da República, dignidade que é um importante capital acumulado por aqueles que o antecederam e exerceram o cargo com mais brio e competência. Desta forma o Cavaco Presidente dá as bicadas aos adversários e manipula a opinião pública sem que os seus adversários lhe possam responder na mesma moeda pois estarão a ofender Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa cuja boa imagem até é protegida pelo artigo 328.º do Código Penal, que prevê penas de prisão até 3 anos para quem injuriar ou difamar o Presidente da República. E em Portugal toda a gente sabe que para alguém se sentir injuriado basta que lhe digam algo mais do que bom dia. Isto é, se um dos outros candidatos questionar Cavaco Silva pelos seus negócios com acções da SLN arrisca-se a fazer campanha no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

Não se pode acusar um Presidente da República de estar em vantagem numa futura disputa eleitoral, mas isso obriga a que o Presidente se abstenha de intervenções que visem mais objectivos eleitorais do que objectivos nacionais. A maioria dos comentadores foram unânimes em afirmar que o discurso oficial de Cavaco Silva visou objectivos eleitorais e se assim foi estamos perante uma situação grave, tanto mais grave porque foi um discurso feito precisamente no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.