domingo, outubro 31, 2010

Semanada

A semana foi marcada pela apresentação da candidatura de Cavaco Silva a um segundo mandato que teve a originalidade de ter sido feita em dois actos, o primeiro no CCB onde Cavaco Silva falou para a sua brigada do reumático privativa e o segundo após a encenação do Conselho de Estado. O país assistiu ao ridículo de ver um Presidente da República perguntar aos seus cidadãos como estariam se não fossem os seus alertas, como Cavaco achou que os portugueses ainda não se tinham apercebido do ridículo do seu discurso de apresentação da candidatura achou que devia dar mais uma de mão e aproveitou o Conselho de Estado para se dirigir ao país alertando-o para as consequências da crise política num momento em que o acordo orçamental já tinha sido notícia.

Com a trágico-comédia encenada por Cavaco Silva quase ninguém deu pela mega operação lançada pelo Ministério Público no caso BPN. Os intervenientes do costume parece terem optado por não ir a jogo, Cavaco não chamou o sindicalista do MP a Belém nem este falou aos jornalistas exigindo mais meios para esta investigação, nem sequer o garganta funda da justiça enviou os habituais segredos da justiça para as redacções dos jornais. Tudo se passou na maior discrição como devem ser estas coisas da justiça, a não ser que o alvo das investigações sejam amigos, familiares ou conhecidos do primeiro-ministro.

Por falar em justiça parece que Pedro Passos Coelho já não precisa de testemunhas para falar com José Sócrates, aliás, desta vez as testemunhas serviram para acompanhar o Eduardo Catroga (o conhecido professor catedrático nomeado por urgente conveniência de serviços com efeitos retroactivos para exercer o cargo a tempo parcial a 0%). Não é difícil de adivinhar que Catroga representava Cavaco e os seus acompanhantes estavam presentes nas negociações para dar conta das mesmas a Passos Coelho. O problema é que não se entenderam quanto à hora do acordo e Cavaco fez a figura que fez, se calhar Catroga enganou-se no dia da mudança da hora e o seu relógio já estava com uma hora de atraso.

Umas no cravo e outras na ferradura

FOTO JUMENTO

Sinais de trânsito, Lisboa

IMAGENS DOS VISITANTES D'O JUMENTO

Flor [de P. Santos]

JUMENTO DO DIA

Teixeira dos Santos

Se no mesmo dia em que explica um acordo Teixeira dos Santos diz que são necessárias medidas adicionais para neutralizar as exigências feitas pelo PSD então aquilo a que assistimos não é um acordo mas sim uma cedência. De qualquer das formas para este ministro das Finanças que é incapaz de controlar as contas pouco importam os 500 milhões, daqui a uns tempos limita-se a propor mais um corte nos vencimentos dos funcionários públicos e resolve os problemas resultantes das cedências que fez da mesma forma que resolveu os que foram consequência da sua incompetência.

«Ao falar no Parlamento, depois da declaração de Eduardo Catroga, Teixeira dos Santos afirmou que o entendimento entre Governo e PSD “coloca-nos agora perante um desafio” que é “adoptar medidas adicionais para neutralizar estes 500 milhões de euros”, a perda de receita que advém das exigências dos social-democratas tais como limitar os tectos nas deduções fiscais aos dois escalões mais elevados de IRS e manter um conjunto de produtos alimentares na taxa de IVA reduzida.

“O PSD recusou sempre apresentar medidas que permitissem essa neutralização” e “compete ao Governo adoptar essas medidas e isso será feito em sede de especialidade”, continuou Teixeira dos Santos. Sem avançar quaisquer pormenores sobre o que estará em causa, o ministro sublinhou que só assim será possível cumprir a meta de 4,6% do PIB em 2011, adiantando apenas que essas medidas visarão os “dois lados”, receita e despesa, e que “serão apresentadas no momento oportuno”.» [DE]

SÓ NESTE PAÍS!

Já sabia da estranha nomeação de Catroga para professor catedrático do ISEG, mas ao ler o despacho fiquei dividido entre rir ou vomitar. Não percebo onde está a "urgente conveniência de serviço" para nomear um catedrático "a tempo parcial 0%", aliás, também não sei o que é isso de "tempo parcial 0%", 0% do quê?

Andam a gozar com este país!

ISTO IRIA MELHOR SEM TRUQUES

«O Presidente falou às 21.35. Uma hora antes, as televisões (SIC, TVI e RTP) passavam em rodapé: "Já há acordo." Por essa altura (à volta das 20.30), fontes do PS e do PSD, não identificadas, admitiam que a coisa estava bem encaminhada mas que ainda não havia acordo. E, no entanto, alguém deve ter deixado cair às televisões que, sim, tudo estava consumado. Quem teria sido? Não se sabe mas sabe-se a quem isso incomodou a ponto de se dar ao trabalho de desmentir e, para ter mais força, dar a cara: "Não se chegou ainda a um resultado favorável", disse à agência Lusa Miguel Relvas, do PSD. Disse-o às 21.28, minutinhos antes de Cavaco Silva falar. O Presidente falou no fim da reunião do Conselho de Estado, o que é absolutamente inédito. Na alocução, Cavaco apelou a um "esforço adicional de entendimento". Olhem se a reunião entre o Governo e o PSD já tivesse chegado a acordo ao fim da tarde e o tivessem tornado público! Cavaco ficava sem o brilharete da inédita alocução e sem razão para o apelo... Leiam esta história assim: 1) o acordo está mesmo decidido à hora que escrevo; 2) alguém gostaria de sabotar o brilharete de Cavaco e 3) alguém gostaria de oferecer o brilharete a Cavaco. Há quem chame política a estes truques. Desta vez, é verdade, não custou nada. Mas da última vez que houve um truque destes (há dias, no rompimento PS/PSD) o País perdeu milhões.» [DN]

Parecer:

Por Ferreira Fernandes.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

PAPA APELA AO VOTO CONTRA DILMA

«Abandonando a tradicional política de não ingerência em assuntos internos dos países, o Papa Bento XVI pediu ao episcopado brasileiro que exorte os fiéis a não votarem em candidatos que apoiem o aborto, numa referência implícita a Dilma Rousseff, acusada de defender práticas abortivas.

"Quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas", afirmou Bento XVI, perante bispos brasileiros no Vaticano, acrescentando que os sacerdotes não devem temer as consequências dessa atitude: "Ao defender a vida, não devemos temer oposição ou impopularidade, recusando qualquer compromisso ou ambiguidade que nos conforme com a mentalidade deste Mundo." A mensagem soou como apoio aos bispos brasileiros, que, durante a campanha, pediram aos fiéis para não votarem na candidata de Lula.» [CM]

Parecer:

Este papa está a ir longe demais.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Sugira-se ao papa que se preocupe mais em combater a pedofilia.»

ACORDO ORÇAMENTAL CUSTA 500 MILHÕES

«Segundo revelou o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, as exigências do PSD para chegar a acordo com o Governo abriram um buraco de 500 milhões de euros no Orçamento.

Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga apresentaram ao País as conclusões finais do acordo alcançado entre o Governo e o PSD sobre o Orçamento de Estado. O que era para ser uma declaração conjunta acabou, no entanto, por ser feita separadamente, uma vez que uma vez que nem o Governo nem o PSD quiseram aparecer ao lado um do outro para dar a notícia do acordo alcançado.» [DN]

Parecer:

Grande acordo!

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Faça-se um sorriso.»

JUÍZES VÃO FAZER GREVE?

«Os juízes deverão decidir hoje a adesão à greve nacional do dia 24. A reunião em Coimbra, convocada pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), promete ser uma das mais polémicas dos últimos 20 anos, realizando- -se num momento de quase ruptura entre o Governo e os magistrados, ao mesmo tempo que se registam também divisões no seio da própria magistratura judicial devido ao "radicalismo" das intervenções públicas do presidente da associação, António Martins. A assembleia extraordinária começa às 10.00 no Palácio da Justiça.

A convocatória para a reunião tem um único ponto: "Discussão sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2011 e medidas a adoptar." Sabe-se do descontentamento dos juízes relativamente aos cortes salariais de 10% e ao corte no subsídio de fixação que atinge os 20%. No decorrer dos trabalhos deverá surgir uma moção assinada por um grupo de juízes para que assembleia aprove a adesão à greve. Uma "moção que deverá ser aprovada por unanimidade", disse uma fonte ao DN.» [DN]

Parecer:

A verdade é às sextas-feiras os tribunais estão quase às moscas, é como nos serviços de urgências dos hospitais, nuns não há julgamentos e nos outros não há doentes.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Faça-se mais um sorriso.»

EM INGLATERRA 7% DOS DENTISTAS SÃO PORTUGUESES

«Depois de seis meses sem arranjar trabalho em Portugal, Marina Alves decidiu tentar a sorte em Inglaterra. É um dos cerca de 500 dentistas que foram para aquele país à procura de melhores condições de emprego. Uma fuga que tem crescido nos últimos anos e está até a atrair os profissionais mais experientes. Em Inglaterra, os portugueses já representam 7% dos dentistas.

"São as situações dos eternos recibos verdes e o facto de não existir um serviço público que ofereça estes serviços às pessoas e de o sector privado estar saturado. Os doentes não têm possibilidades para pagar, e o número de consultas diminuiu", diz ao DN Marina Alves, de 27 anos.» [DN]

Parecer:

E com os cortes nos vencimentos serão mais para o ano.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Esperemos para ver quantos quadros abandonarão a Função Pública e/ou o país no próximo ano.»

A ANEDOTA DO DIA

«O líder da equipa social-democrata garantiu ainda que o acordo só ficou fechado às 23h19 de ontem e, para que não restassem dúvidas, e num momento algo humorístico, exibiu o seu Blackberry para os jornalistas, mostrando uma fotografia onde aparece ao lado de Teixeira dos Santos, a essa mesma hora, a fechar o ‘protocolo de entendimento’ que viabiliza o Orçamento para 2011 na generalidade.» [DN]

Parecer:

Catroga tenta limpar a face a Cavaco Silva pois à hora em que este fez a comunicação idiota todos os portugueses já sabiam da existência de acordo.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Dê-se a merecida gargalhada e sugira-se a Catroga que não faça dos portugueses parvos.»

ALGUÉM AJUDA PORTUGAL A LIVRAR-SE DESTE IDIOTA?

«"É uma alteração estrutural na massa salarial do Estado e portanto provavelmente teremos que, até ao final do ano, ajustar as próprias tabelas de modo a transmitir transparência e alguma segurança jurídica", afirmou hoje o secretário de Estado da Administração Pública.

"Se a Assembleia da República aceitar a proposta do Governo há um ajustamento em cascata nos níveis acima dos 1.500 euros", acrescentou.

Em entrevista à Antena 1, Gonçalo Castilho dos Santos afirmou ainda que foram dadas orientações às administrações e institutos de regime especial - como os reguladores - para que sejam feitas as negociações obrigatórias relativas às reduções salariais.» [Jornal de Negóciso]

Parecer:

Com idiotas destes Sócrates nem precisa de oposição e de magistrados para cair.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Mande-se o puto embora.»

O MIGUEL ABRANTES ADERIU AO BE?

Quem lê este post do Câmara Corporativa fica com a ideia de que os cortes nos vencimentos dos funcionários públicos afectam apenas os Ricardo Salgados do Estado e que a medida é de uma grande justiça. Não é bem assim Miguel Abrantes, os ricaços que insinua são funcionários que ganham 1.550€ ou mais. Se acha que uma família que recebe 1.550€ brutos (muitas famílias dependem apenas de um vencimento) é uma família burguesa então o socialismo do CC começa a assemelhar-se ao do Henver Hodja.

Além disso convém não esquecer que todos os funcionários públicos incluindo aqueles que perdem parte do vencimento estão sujeitos a mais descontos, aos aumentos no IRS e no IVA. Convém também não esquecer que pouco tempo antes alguém prometia que não iriam haver cortes nos vencimentos.

Mais do que os cortes são posições como esta que me ofendem, uma coisa é assumir sacrifícios, outra é andarem a fazer-nos de burros.

VESA KALERVO EKHOLM

A BIRD IN HAND PROJECT

sábado, outubro 30, 2010

Um tempo de antena oportunista e pouco digno


Seria impossível a um candidato à Presidência da República criar um ambiente de crise nacional, reunir um Conselho de Estado e levar todas as televisões a interromper as programações para perante um país expectante dirigirem-se a todos os eleitores. Como vimos ontem isso não é totalmente impossível, se o candidato a Presidente for o próprio Presidente da República.

Aquilo a que os portugueses assistiram ontem foi a propaganda pessoal de um candidato que já não tem capacidade para elaborar o discurso e que mesmo sabendo que já havia acordo entre o governo e o PSD insistiu em ler um discurso que aparentemente já estava escrito ainda antes de se realizar a reunião do Conselho de Estado. Como alguém estragou a festa a Cavaco Silva que não teve a possibilidade de apresentar o acordo orçamental como troféu eleitoral na apresentação da recandidatura, restou-lhe dramatizar a situação, reuniu o Conselho de Estado para poder ter direito a um tempo de antena extra.

Quem ouviu a sua intervenção quando apresentou a sua recandidatura percebeu que estava perante a continuação do discurso anterior, o capítulo relativo ao acordo orçamental que constaria no discurso da terça-feira deu lugar a um capítulo dramático lido três dias depois. Cavaco reúne o Conselho de Estado e dirige-se ao país sem fazer referência a uma única conclusão ou reflexão da reunião a que a comunicação dizia respeita, assistimos à continuação do “eu isto” e “eu aquilo” que todos tinham ouvido dias nates.

Vejamos para que serviu a Cavaco Silva reunir o Conselho de Estado:

“Reuni hoje o Conselho de Estado”, “Decidi convocar o Conselho de Estado”, Esta situação resulta de um problema para o qual venho alertando”, “Conheço de perto as dificuldades”, “Por isso, acompanho atentamente, há vários meses”, “Em face disso, reuni de imediato com os partidos políticos”, “A todos alertei para as graves consequências de uma crise política”, “Referi também aos partidos”, “Decidi de imediato ouvir os membros do Conselho de Estado”, “Enquanto Presidente da República, tenho a obrigação de voltar a dizer”, “Confio no sentido de responsabilidade do Governo e da oposição”.

Isto é, eu, eu e mais eu, nem uma única frase que nos faça acreditar que o discurso não estava escrito antes da reunião do Conselho de Estado que nos permita acreditar que um Presidente da República não tenha usado o órgão institucional para promover uma encenação que lhe permitiu continuar três dias depois o discurso de recandidatura.

Ainda por cima muitos portugueses terão ficado atónitos perante um discurso dramático quando toda a comunicação social já tinha noticiado o acordo entre o governo e o PSD. É evidente que Cavaco não teve tempo de reunir com os seus assessores durante a reunião do Conselho de Estado e nenhum lhe sugeriu que o discurso que estava preparado já não fazia sentido porque enquanto a reunião decorria tinha sido divulgado o acordo orçamental.

É provável que alguém tão egocêntrico tenha pouca consideração pela inteligência dos portugueses e insistido num tempo de antena que estava minuciosamente preparado e já com os figurantes do Conselho de Estado a dispersar. Ou então as capacidades intelectuais do Presidente da República já não chegam para fazer uma intervenção espontânea ou, pior ainda, para ter a noção da realidade, ainda por cima o ddiscurso já estava pronto para ser colocado online no site da Presidência, só faltavam as fotografias oficiais para proceder à actualização da página.

Umas no cravo e outras na ferradura

FOTO JUMENTO

Bairro de São Bento, Lisboa

JUMENTO DO DIA

José Sócrates e Pedro Passos Coelho

Como poderão explicar os líderes do PS e do PSD que tenham chegado a acordo em torno de algo que é do interesse nacional pressionados pelos mercados e políticos estrangeiros?

«Segundo apurou o Económico, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga preparam-se para formalizar um acordo que contempla cedências de parte a parte e que irá permitir, no próximo dia 3 de Novembro, que o Orçamento de 2011 seja viabilizado no Parlamento com a abstenção dos deputados social-democratas.

Governo e PSD terão chegado a um entendimento enquanto em Belém o Presidente da República ausculta o seu Conselho de Estado, convocado pouco tempo depois de, na quarta-feira passada, Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga terem rompido negociações.» [DE]

ESTÁ RESOLVIDO O COMPLEXO CASO DA MORTE DO JAIME OVELHA

Ainda há quem defenda o burro!

PATÉTICO

Quando todos os portugueses já sabiam do acordo entre governo e PSD para o OE Cavaco Silva aproveitou a reunião do Conselho de Estado para, ao contrário do habital comunicado lacónico, fazer um tempo de antena da sua campanha eleitoral, dramatizando uma situação já inexistente.

LAMENTO POR UMA POLÍTICA PERDIDA

«Na semana em que Sócrates foi reeleito, perguntaram-me na SIC pelas medidas que ele devia tomar. Fiquei-me por uma só e, mesmo essa, óbvia. Era como aconselhar Álvaro Siza quando desenhou a pala da Expo: "Arquitecto, faça-a de maneira que ela não caia." Disse eu naquele debate da SIC: "Sócrates devia manter a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues." Grande espanto, no debate... Não sendo uma águia em análise política, uma coisa eu tinha por certa do primeiro mandato de Sócrates. Num sector prioritário, a Educação, tentou-se que os seus trabalhadores seguissem a mais elementar das normas profissionais: subir na carreira só por mérito. Maria de Lurdes Rodrigues (MLR) fora a cara dessa revolução (e aqui está uma definição de Portugal: revolução, por cá, é tentar que aconteça a um professor o mesmo que ao merceeiro que eu escolho para me fornecer e aos astronautas seleccionados pela NASA - ser examinado). Mas a ministra foi muito contestada e tinha de ser chutada no novo Governo. Daí o espanto pela minha proposta, no debate da SIC. E, de facto, MLR foi despedida. À custa da popularidade perdeu-se uma ministra com política certa. Hoje, as sondagens são desastrosas para o PS. Isso é o problema do PS. O problema de Portugal é que, com o receio de chegar mais cedo a essa impopularidade, o PS não nos garantiu como herança aquela política certa. » [DN]

Parecer:

Por Ferreira Fernandes.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

O INCÓMODO DA DEMOCRACIA

«Na semana passada, o presidente da Associação Sindical dos Juízes informou-nos de que as medidas de austeridade do Orçamento de 2011 são uma retaliação contra os juízes pelo facto de terem andado a "incomodar os boys do PS". Nesta, descobrimos que quando um juiz sindicalista se pronuncia sobre processos, qualificando-os como incómodos para membros de um partido e estabelecendo uma ligação entre esses processos e a política governamental e os reflexos desta nos juízes, o órgão que tem o dever de apreciar as violações do Estatuto dos Magistrados Judiciais (por exemplo quebras do dever de reserva, que estabelece não poder um magistrado pronunciar-se sobre processos a não ser em casos muito específicos) desaprova, pela voz do seu presidente - falo do Conselho Superior da Magistratura -, mas considera que o juiz falou enquanto sindicalista. O que deverá indiciar que só poderá ser chamado à pedra pelo Conselho Superior dos Sindicalistas, ou seja, por ninguém.

Aliás, a ASJ é que chama toda a gente à pedra. Os media dizem que um relatório europeu coloca a relação entre os salários dos juízes portugueses nos tribunais superiores e o salário médio no País entre as mais elevadas da Europa, e dá Portugal como uma das nações com mais juízes por cem mil habitantes? Ó da guarda que estão a "atacar" os juízes. A culpa, lê-se num comunicado da ASJ, é da Lusa (a agência pública de notícias, tutelada pelo Governo), que procurou "passar a ideia de que os juízes em Portugal são muitos, trabalham pouco e ganham demasiado". De seguida, a ASJ desmente as notícias "rotundamente falsas" que imputa à agência. O curioso não é só que várias das afirmações do comunicado - por exemplo que Portugal esteja a meio da tabela quanto à relação entre número de juízes e população total, quando na Europa Ocidental só quatro países têm um rácio mais elevado - sejam no mínimo um torção da realidade; o melhor é que aquilo que a ASJ desmente não estava na notícia da Lusa reproduzida nos jornais. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País com mais juízes", diz a ASJ. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País em que os juízes são melhor remunerados". Indiferente que nem a Lusa nem outro meio tivesse afirmado tal; na hora de desfazer aquilo que considera ser um ultraje à judicatura (a ideia de que possa ser menos que perfeita), a ASJ não se engulha com minudências. Aliás, ASJ não se engulha com nada. "Os juízes ascendem à função que ocupam por mérito próprio, mediante concurso público, depois de 20 anos de estudo e formação, e não por eleição ou nomeação, ou com base em favores ou privilégios", conclui o comunicado.

Repita-se, porque vale a pena: "mérito próprio" versus "eleição". "Eleição" na mesma categoria de "favores". É obra, é. É, nem mais nem menos, que a apologia dos déspotas iluminados versus essa porcaria da política e das decisões do povo - a coisa desprezível também conhecida por democracia. E o melhor de tudo é que pagamos a gente desta para nos julgar. » [DN]

Parecer:

Por Fernanda Câncio.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

A FANTOCHADA

«Jovem e com a frescura própria de quem nunca teve grande protagonismo político, surgiu como o redentor de um partido marcado por sucessivas lideranças falhadas. Mas o estado de graça depressa foi esmorecendo. A trapalhada com a inoportuna e inusitada revisão constitucional revelou um político com dificuldade em distinguir o essencial do acessório, perdendo tempo, o dele e o nosso, com batalhas sem sentido. Tanto mais que, nessa altura, o país já se encontrava no meio de um furacão financeiro. Embora de origem internacional, veio trazer à tona a realidade de uma economia excessivamente dependente do Estado e do dinheiro dos contribuintes.

Mas é na gestão política da viabilização do orçamento que Passos Coelho tem revelado a sua incrível impreparação. Há semanas que o país vem assistindo a contradições diárias, ora mostrando-se disposição para deixar passar, ora ameaçando com o chumbo, num jogo totalmente irresponsável. Para cúmulo, depois de mais uma negociação falhada, na quarta-feira passada o PSD convoca os jornalistas, à hora dos telejornais, para anunciar a sua decisão definitiva. Chegado o momento mágico, a decisão é afinal o anúncio de novo adiamento da decisão.

É claro que todos percebemos a razão de tanta vacilação. Passos Coelho sabe que, no final, terá de deixar passar o orçamento mas quer fazê-lo de forma a ficar o melhor possível na fotografia eleitoralista. Como esse tipo de fotogenia é difícil de construir, já que o sistema é complexo, a hesitação e manobrismo imperam. A situação concreta do país e dos portugueses é, para este efeito, uma variante menor. Aliás, alguém poderia fazer as contas de quanto já custou ao Estado português este jogo insano do PSD. E não falo de custo de credibilidade interna e externa, mas de dinheiro contado com os juros da dívida a subirem a cada vez que Passos Coelho se dá ares de jovem irreverente. E inconsciente.

Bem vistas as coisas, Passos Coelho ainda não saiu da JSD.

Mas, infelizmente, a insânia não afeta só a direção do maior partido da oposição. É no mínimo curioso que toda a gente diga que o orçamento é mau, mesmo péssimo para alguns, mas todos acham que deve ser aprovado. Aqui desconta-se o Partido Comunista e o Bloco que há muito não habitam o planeta Terra e, enquanto extraterrestres, tanto se lhes dá se vamos para a bancarrota ou não.

Até Pacheco Pereira, pouco dado a moderação como se sabe e sem o mais leve resquício de apreço pelo Governo, diz que ou se aprova o orçamento ou temos o caos. Mas caso mais caricato é o da UGT. Aderiu à greve geral contra um orçamento que exige que seja aprovado. De tanta figura patética que João Proença tem feito, na sua dupla condição de ser do PS e contra o Governo, esta é realmente inacreditável.

Há dias, Manuel Salgado disse-me que o problema da gestão política podia ser descrito com um exemplo simples. Há gente que quer divertir-se no Bairro Alto mas há outros que querem dormir. A conciliação é impossível. Qualquer coisa que a Câmara faça desagrada sempre a alguém. Aqueles que por estes dias dão inúmeros conselhos ao Governo para cortar aqui e ali, apontando defeitos no orçamento com a ligeireza das aparições nos telejornais, omitem que as coisas nunca são tão simples como parecem. Basta dizer que o próprio PSD que agora é tão radical no corte, sempre que esteve no governo aumentou significativamente a despesa pública. Tanto com Cavaco Silva, grande despesista aliás, como com Manuela Ferreira Leite.

Sendo certo que de momento o corte tem de ser brutal, dada a urgência, o estado de coisas só se altera mudando lentamente a estrutura económica do país. E isso não é feito com as demagogias do costume, estilo o vão trabalhar malandros do CDS ou a visão tradicionalista e nacionalista do PC, mas com um processo continuado de formação e modernização cultural, científica e tecnológica.

Hoje pode existir uma união nacional do ódio a Sócrates. Mas uma coisa já ninguém lhe tira. Só a geração Magalhães poderá realmente mudar Portugal. » [Jornal de Negócios]

Parecer:

Por Leonel Moura.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

OS TRISTES DIAS DO NOSSO INFORTÚNIO

«O dr. Cavaco consumiu vinte minutos, no Centro Cultural de Belém, a esclarecer os portugueses que não havia português como ele. Os portugueses, diminuídos com a presunção e esmagados pela soberba, escutaram a criatura de olhos arregalados. Elogio em boca própria é vitupério, mas o dr. Cavaco ignora essa verdade axiomática, como, aliás, ignora um número quase infindável de coisas.

O discurso, além de tolo, era um arrazoado de banalidades, redigido num idioma de eguariço. São conhecidas as amargas dificuldades que aquele senhor demonstra em expressar-se com exactidão. Mas, desta vez, o assunto atingiu as raias da nossa indignação. Segundo ele de si próprio diz, tem sido um estadista exemplar, repleto de êxitos políticos e de realizações ímpares. E acrescentou que, moralmente, é inatacável.

O passado dele não o recomenda. Infelizmente. Foi um dos piores primeiros-ministros, depois do 25 de Abril. Recebeu, de Bruxelas, oceanos de dinheiro e esbanjou-os nas futilidades de regime que, habitualmente, são para "encher o olho" e cuja utilidade é duvidosa. Preferiu o betão ao desenvolvimento harmonioso do nosso estrato educacional; desprezou a memória colectiva como projecto ideológico, nisso associando-se ao ideário da senhora Tatcher e do senhor Regan; incentivou, desbragadamente, o culto da juventude pela juventude, característica das doutrinas fascistas; crispou a sociedade portuguesa com uma cultura de espeque e atrabiliária e, não o esqueçamos nunca, recusou a pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia, um dos mais abnegados heróis de Abril, atribuindo outras a agentes da PIDE, "por serviços relevantes à pátria." A lista de anomalias é medonha.

Como Presidente é um homem indeciso, cheio de fragilidades e de ressentimentos, com a ausência de grandeza exigida pela função. O caso, sinistro, das "escutas a Belém" é um dos episódios mais vis da história da II República. Sobre o caso escrevi, no Negócios, o que tinha de escrever. Mas não esqueço o manobrismo nem a desvergonha, minimizados por uma Imprensa minada por simpatizantes de jornalismos e por estipendiados inquietantes. Em qualquer país do mundo, seriamente democrático, o dr. Cavaco teria sido corrido a sete pés.

O lastro de opróbrio, de fiasco e de humilhação que tem deixado atrás de si, chega para acreditar que as forças que o sustentam, a manipulação a que os cidadãos têm sido sujeitos, é da ordem da mancha histórica. E os panegíricos que lhe tecem são ultrajantes para aqueles que o antecederam em Belém e ferem a nossa elementar decência.

É este homem de poucas qualidades que, no Centro Cultural de Belém, teve o descoco de se apresentar como símbolo de virtudes e sinónimo de impolutabilidade. É este homem, que as circunstâncias determinadas pelas torções da História alisaram um caminho sem pedras e empurraram para um destino que não merece - é este homem sem jeito de estar com as mãos, de sorriso hediondo e de embaraços múltiplos, que quer, pela segunda vez, ser Presidente da nossa República. Triste República, nas mãos de gente que a não ama, que a não desenvolve, que a não resguarda e a não protege!

Estamos a assistir ao fim de muitas esperanças, de muitos sonhos acalentados, e à traição imposta a gerações de homens e de mulheres. É gente deste jaez e estilo que corrói os alicerces intelectuais, políticos e morais de uma democracia que, cada vez mais, existe, apenas, na superfície. O estado a que chegámos é, substancialmente, da responsabilidade deste cavalheiro e de outros como ele.

Como é possível que, estando o País de pantanas, o homem que se apresenta como candidato ao mais alto emprego do Estado, não tenha, nem agora nem antes, actuado com o poder de que dispõe? Como é possível? Há outros problemas que se põem: foi o dr. Cavaco que escreveu o discurso? Se foi, a sua conhecida mediocridade pode ser atenuante. Se não foi, há alguém, em Belém, que o quer tramar.

Um amigo meu, fundador de PSD, antigo companheiro de Sá Carneiro e leitor omnívoro de literatura de todos os géneros e projecções, que me dizia: "Como é que você quer que isto se endireite se o dr. Cavaco e a maioria dos políticos no activo diz 'competividade' em vez de 'competitividade' e julga que o Padre António Vieira é um pároco de qualquer igreja?"

Pessoalmente, não quero nada. Mas desejava, ardentemente desejava, ter um Presidente da República que, pelo menos, soubesse quantos cantos tem "Os Lusíadas."» [Jornal de Negócios]

Parecer:

Por Baptista-Bastos.

Despacho do Director-Geral do Palheiro: «Afixe-se.»

INROCK