É incrível como Pedro Passos Coelho se deixou manipular por Cavaco Silva, bem pode dizer que Sócrates o enganou com o PEC2, que não aceitou negociar ou que a culpa da situação é do governo, mas a verdade é que o folhetim do orçamento começa com uma declaração de Cavaco Silva e termina com a apresentação da candidatura presidencial.
Quando Cavaco Silva anunciou de forma descontraída de que estava tranquilo porque sabia que decorriam negociações e estava certo de que haveria acordo orçamental o líder do PSD reagiu da pior forma, sentindo-se ultrapassado passou a tomar uma posição dura em relação ao orçamento e a dar a ideia de que poderia votar contra. Desde então endureceu o discurso, fechou a porta a qualquer negociação, recusou-se a fazer propostas porque, limitou-se a fazer exigências de corte de despesas e a manifestar-se contra qualquer aumento de impostos.
Sócrates serviu-lhe um presente envenenado, cortou onde Pedro Passos Coelho não teria coragem de cortar, cortou muito mais do que se conseguiria com as sugestões eleitoralmente correctas e para não cortar mais aos funcionários optou por aumento de impostos defendidos por muitos economistas. Passos Coelho ficou sem espaço de manobra, não podia propor despedimentos de funcionários ou mais cortes nos seus vencimentos e as sugestões de cortes em institutos propostas por alguns dos seus apoiantes eram quase ridículas quanto ao impacto orçamental.
Apresentado o orçamento Passos Coelho só pode votar contra ou abster-se, em qualquer dos casos perderá eleitoralmente. É verdade que as medidas do orçamento terão um forte impacto na economia, mas uma boa parte dos portugueses só as sentirá em 2011, até lá estarão mais preocupados com o que se passa nos estádios de futebol e com no reality show da TVI. Além disso, nem todos os portugueses são pobres ou funcionários públicos e algumas medidas como os limites às deduções fiscais do IRS só serão sentidas por muitos na hora de pagar ou receber o reembolso, isto é, já em 2012.
Pedro Passos Coelho sai a perder desta batalha e, pior ainda, com a sua credibilidade gravemente ferida, tentou transformar o debate em torno do orçamento num jogo de xadrez e acaba por levar um xeque pastor, além disso conseguiu reabrir as hostilidades dentro de um PSD que até parecia unido. E enquanto ainda está a lamber as feridas do orçamento terá de dar a cara por uma revisão constitucional que os portugueses já rejeitaram, como se pode concluir pelas sondagens. Como vai explicar aos portugueses que defende a liberalização dos despedimentos e a privatização dos sectores mais lucrativos da saúde?
O mesmo Cavaco que o meteu dentro da panela de pressão foi agora ver se o prato estava bem temperado, Marcelo foi à TVI e num mal encenado descuido deixou escapar que Cavaco Silva iria apresentar a sua candidatura no dia 26, como se isso não bastasse justificou a escolha da data dizendo que Cavaco estaria convencido de que nessa data a questão orçamento estaria resolvida, isto é, que o PSD deixaria passar o orçamento apresentado pelo governo. Ou seja, dois dias antes de Passos Coelho reunir o conselho nacional do PSD para decidir a sua posição final Marcelo tira-lhe o tapete com um recado de Cavaco Silva que desta vez nem se deu ao trabalho de falar aos jornalistas.
Temos, portanto, um prato de “coelho à Mestre Silva” a que só falta mesmo um tempero final, em vez de ser polvilhado com coentros leva em cima com uma eventual candidatura do professor Marcelo à liderança do PSD. Estamos perante uma ironia do destino, Pedro Passos Coelho que insistia que fosse qual fosse a votação no orçamento o PS deveria ir até ao fim, com isso dizendo que ficaria até haverem eleições, arrisca-se agora a ouvir o mesmo dos seus opositores internos, que deve ficar na liderança do PSD até que aqueles estejam em condições de correr com ele.
Enfim, depois de digerido o "Coelho à Mestre Silva" os opositores ao líder do PSD vão ter de esperar pela Páscoa para deglutirem a sobremesa, talvez nessa ocasião possam comer um coelhinho de Páscoa enquanto celebram a ressureição do professor Marcelo.