Quando a distância temporal o permitir e se fizer a história da vida política portuguesa dos últimos tempos é muito provável que se chegue à conclusão de terá sido um dos períodos mais vergonhosos da democracia, senão de um período de tempo mais vasto da história do nosso país. E no centro deste processo está um homem de parca dimensão que um dia chegou ao poder para se glorificar esbanjando os recursos colocados à disposição de Portugal pela CEE.
Cavaco Silva não presidiu à República, presidiu uma comissão unipessoal de recandidatura presidencial tendo em vista a sua eleição segura para um segundo mandato na esperança de nesse segundo mandato conseguir o seu grande objectivo, um presidente e um primeiro-ministro com o primeiro a ser o segundo por interposta pessoa. Tentou-o com Manuela Ferreira Leite mas abortou a tentativa quando percebeu a derrota e não hesitou em recorrer ao famoso episódio das escutas para salvar a pele condenado o PSD à derrota. O velho sonho de Sá Carneiro de o PSD ter o governo e a presidência transformou-se num projecto de ambição pessoal de Cavaco Silva.
Um dia saberemos quanto da crise nos mercados se deve ao contágio da crise grega, à instabilidade resultante da crise do subprime ou à manipulação da crise política conduzida por Cavaco Silva. Não foram as empresas de rating que lançaram a dúvida sobre a situação da dívida portuguesa, ela já existia à muito, foi Cavaco que fez a famosa intervenção da insustentabilidade, da mesma forma que em tempos lançou a bolsa portuguesa num crash quando questionou o valor dos títulos que lá se negociavam.
Cavaco boicotou à partida qualquer acordo quando desautorizou Pedro Passos Coelho dizendo que decorriam negociações e o acordo estava para breve, obrigou o líder do PSD a endurecer o discurso e a entrincheirar-se numa oposição radical ao OE2011, ou tomava esta posição ou seria visto como um moço de recados de Cavaco Silva. Quando o PSD se preparava discutir a posição a tomar em relação ao OE2011 Cavaco Silva voltou a ter uma das suas intervenções manhosas, desta vez foi Marcelo que divulgou publicamente a data do anúncio da recandidatura de Cavaco Silva justificando a escolha da data com a certeza da aprovação do orçamento, mais uma vez desautorizou Pedro Passos Coelho colocando-o na posição de mero palhaço, inviabilizou uma posição de abertura pró parte do PSD que em vez de duas condições para aprovar o orçamento passou a fazer seis exigências.
Por fim, aparece um negociador de Cavaco Silva a liderar a negociação do OE2011 com Teixeira dos Santos, acompanhado de um ou outro próximo de Pedro Passos Coelho, o líder do PSD que dizia que da próxima vez que se encontrasse com Sócrates levaria testemunhas, acaba por nomear testemunhas para observarem a negociação entre Catroga, um representantes de Cavaco Silva, com Teixeira dos Santos. É evidente que antes da apresentação da recandidatura de Cavaco Silva haverá acordo orçamental, que este será obra do salvador da pátria e Cavaco Silva dirá que finalmente cumpriu a promessa de ajudar o país com os seus conhecimentos de economia.
A crise política e uma boa parte da crise financeira do Estado foi ensaiada por Cavaco Silva desde o princípio, numa manobra manhosa para se certificar de que ganharia as eleições presidenciais antes de apresentar a candidatura. Cavaco fez a festa, atirou os foguetes e na próxima terça-feira vai apanhar as canas. Pouco importa quanto custou ao país e aos portugueses a estratégia manhosa da candidatura de Cavaco Silva, para os que se julgam iluminados e estão convencidos de que só o seu poder poderá salvar o país os fins justificam os meios.