Se a Autoeuropa tivesse despedido algumas dezenas de operários teria feito manchetes, mas a notícia do aumento dos ordenados em mais de 3%, a passagem a efectivos dos contratados a prazo e a garantia de estabilidade durante muitos meses quase passou despercebida. Os jornalistas desinteressaram-se, os políticos e comentadores andam ocupados com outros debates e aos líderes das associações empresariais ninguém os viu. Em Portugal as boas notícias são as más notícias, são essas que animam a nossa burguesia política.
Imaginemos que as negociações na Autoeuropa tivessem sido conduzidas pelos nossos políticos, ter-se-ia chegado a algum acordo? Duvido. O mais certo era a esta hora Eduardo Catroga lá estar em representação do Presidente da República a negociar a manutenção da fábrica contra cortes de 20% dos vencimentos e, como se isso não bastasse, na próxima terça-feira o recandidato presidencial apresentaria o sucesso da Autoeuropa com resultado do se empenho em apoiar o país.
Quantos empregos teriam sido salvos em Portugal se os gestores e os sindicalistas deste país tivessem o empenho e o bom senso que tiveram os da Autoeuropa? Certamente muitos.
Os trabalhadores da Autoeuropa perceberam que se a empresa não for competitiva não consegue competir colocar os seus carros no mercado nem competir dentro do grupo pela produção de outros modelos da marca. Os gestores da Autoeuropa sabem que a produtividade de uma empresa também depende do bem-estar dos seus trabalhadores e que o esforço destes deve ser recompensado com a partilha dos benefícios, da mesma forma que partilharam as dificuldades, quer uns, quer os outros demonstraram ter palavra e não se esqueceram dos compromissos que assumiram.
Compare-se com o que os políticos estão a fazer com o actual orçamento, cortam-se vencimentos e aumentam-se os impostos sem qualquer contrapartida em esperança, sem qualquer diálogo, sem uma única reunião com os trabalhadores, sem mais explicações a não ser a chantagem de que se assim não for vem o lobo mau do FMI e ainda será pior.
Compare-se com o discurso dos empresários portugueses e dos representantes das suas associações empresariais que não perdem nenhuma oportunidade para proporem reduções de vencimentos e liberalização dos despedimentos sem qualquer contrapartida.
Compare-se com o que defendem muitos dos nossos líderes sindicais que para manter as quotas dos seus sindicalizados e a influência política nas empresas são intransigentes em relação a qualquer negociação, até porque o encerramento de empresas e os despedimentos trazem grandes receitas para os cofres sindicais, cobram-se percentagens das indemnizações e retroactivos de quotas dos trabalhadores não sindicalizados se estes quiserem ser defendidos.
Portugal caminha para o abismo e em vez de haver um esforço colectivo para encontrar soluções concertadas, é o salve-se quem puder, uns esperam que a crise dê razão preconceitos ideológicos do século XIX e que até hoje só trouxeram prejuízos aos trabalhadores, os políticos armam-se em profetas da desgraça para encobrir as consequências dramáticas da sua incompetência, o recandidato presidencial arma-se em salvador da pátria.
O exemplo da Autoeuropa prova que neste país ainda é possível encontrar soluções quando todos estão empenhados em resolver os problemas.