Ao mesmo tempo que acenam com o risco da vinda do FMI os interlocutores do debate orçamental (PSD, PSD e Cavaco Silva) negoceiam as medidas duras que por serem as que ou pelo menos parte das que seriam exigidas pelo FMI. Se dessas negociações não resultar a solução unidose que seria exigida pelo FMI é certo que a prescrição apresentar-se-á em duas doses, os PEC1 e PEC dois darão lugar ao FMI1 e FMI2, sendo este último ministrado no OE para 2012. Como a vacina dada no OE perde uma boa parte da eficácia porque a dose era insuficiente, é certo que voltará a suceder o mesmo que ocorreu com o PEC2, em 2012 os portugueses levarão uma “dose de cavalo”.
O mais graves é que os interlocutores do debate entraram num jogo eleitoral, as suas posições serão melhor entendidas se aplicarmos a teoria dos jogos num contexto de luta eleitoral do que se as analisarmos à luz do interesse dos portugueses, a pouca vergonha instalou-se e a desgraça dos portugueses é usada como arma de arremesso, não estão preocupado com o sofrimento que lhes querem impor, tentam a todo o custo que sejam adoptadas medidas duras, cada vez mais duras mas que seja o outro a arcar com as perdas eleitorais. Para Cavaco Silva, José Sócrates ou Pedro Passos Coelho são mais importantes as perdas eleitorais nas próximas sondagens.
Cavaco Silva tudo faz para capitalizar votos para a sua candidatura, chegou ao ponto de “mandar” Marcelo Rebelo de Sousa anunciar a data de apresentação da sua candidatura presidencial fundamentando-a com a certeza de que o problema do OE2011 já estaria resolvido. Ao longo dos últimos meses condicionou Pedro Passos Coelho com pequenas provocações, começou por dizer que haviam negociações que estavam a correr bom, acabou por dar por aprovado o OE2011 antes da apresentação da sua candidatura. O velho sonho de Sá Carneiro de o PSD ter um presidente e um primeiro-ministro deu lugar ao sonho de Cavaco Silva de ser ele próprio o presidente e o primeiro-ministro, ainda que por interposta pessoa. Cavaco quer um orçamento tão duro quanto possível para ter condições para derrubar Sócrates e para que todo o trabalho sujo esteja feito antes dele convocar eleições.
Passos Coelho jogou mal desde o princípio, hesitou entre a crise política e o exigir que Sócrates assumisse a responsabilidade pela adopção de medidas duras, exigiu cortes nas despesas, não criticou nenhum dos cortes propostos no OE2011 para deixar passar o orçamento exige ainda mais cortes. Quer matar dois coelhos com uma cajadada, que o PS se auto-destrua eleitoralmente e que as medidas duras estejam aprovadas antes de assumir o poder. O problema é que em vez de dois coelhos foram três os apanhados por uma cajadada que, afinal, foi dada por Cavaco Silva, quem está a negociar o OE2011 com o ministro das Finanças é Eduardo Catroga, o virtual ministro das Finanças do governo que Cavaco sonha e não António Nogueira Leite, até aqui o negociador das teses do líder do PSD.
Sócrates tudo faz para se chamar a si o papel de salvador pelas medidas duras que foi obrigado a adoptar, cortou na despesa porque Passos Coelho exigiu, endureceu as medidas como foi defendido por Catroga e outras personalidades que costumam dar os recados de Cavaco Silva. Sem margem de manobra tenta encurralar Pedro Passos Coelho, mas acaba por fazer o jogo de Cavaco Silva que também deseja ver-se livre de Pedro Passos Coelho.
Com o argumento da crise política ou da vinda do FMI mais não estão a fazer do que a gerir a crise política em função das suas estratégias eleitorais e a adoptar medidas tão duras como as que seriam exigidas pelo FMI, mas condicionando-as ao impacto eleitoral que poderão ter. Da aprovação do orçamento apenas resultará o adiamento da crise política que, entretanto, ficará em banho-maria, mais tarde será mais complexa pois se agora é uma luta entre Sócrates, mais tarde terá em Cavaco Silva o principal interveniente, ainda veremos Sócrates a torcer pela manutenção de Pedro Passos Coelho na liderança do PSD para ir com ele a votos, enquanto Cavaco apenas convocará eleições antecipadas depois de mudar a liderança do PS. Resta saber se com a aceitação de Catroga para negociar o OE2011 o líder do PSD não está a tentar ser ele o homem de Cavaco Silva.
Em resultado deste jogo político acabaremos por ter um OE2011 que foi feito mais a pensar em objectivos políticos do que nos portugueses, que corta onde menos dói aos políticos mesmo que doa muito mais aos portugueses, que acabará por ser um PEC2 para em 2012 os portugueses pagarem a dobrar pelo falhanço do PEC2 e do OE2011. Nessa altura os que governarem dirão que a culpa é dos antecessores e nessa ocasião já poderão chamar o FMI para lhes ditar as políticas que até então não quererão assumir.
Talvez fosse melhor para os portugueses que viesse já o FMI e que se realizassem eleições o mais cedo possível, pagaríamos mais uns juros por conta da dívida, provavelmente muito menos do eu iremos pagar por um OE2011 que não foi elaborado a pensar nos portugueses. Incrivelmente um OE ditado pelo FMI seria feito a pensar mais nos reais problemas da economia portuguesa do que aquele que vai resultar das negociações entre Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos. Talvez seja melhor sermos sacrificados por um OE2011 ditado por técnicos do FMI do que por aquele que vai resultar de negociações manhosas entre o PS e o PSD tuteladas por Cavaco Silva.