quarta-feira, janeiro 28, 2015

O Robin dos Bosques da Saúde

Ao longo de três anos Paulo Macedo, o brilhante e competentíssimo ministro da Saúde, teceu uma imagem de si próprio que levou muito boa gente a considera-lo uma mago da gestão, o único ministro competente deste governo, o homem que até era consultado sobre questões do ministério das Finanças, chegou mesmo a ser apontado como um possível ministro das Finanças, até já havia quem sussurrasse o seu nome para suceder a Passos Coelho.
  
A ideia que Paulo Macedo conseguiu fazer passar com muitas intervenções cirúrgicas na comunicação social, uma especialidade que adquiriu na ex-DGCI, a imagem de um ministro que tinha salvo o Serviço Nacional de Saúde, apesar das imposições da troika. Ainda há poucos dias o seu adjunto dizia numa entrevista à TVI24 que não só tinham salvo o SNS como o tinham melhorado! Contando com amizades de peso dentro do PS e com a influência da presença da obra de Deus na política portuguesa Macedo passou a imagem do homem competente que tinha poupado o SNS à maleficência da troika porque fez de Robin dos Bosques, tirou aos ricos e deu aos pobres.
  
A imagem que se o ministro conseguiu fazer passar foi a de que com muito menos recursos foi possível manter e melhorar a qualidade do SNS. Ao contrário dos seus antecessores ele enfrentou os interesses do sector, prosseguiu com as reformas de Correia de Campos (ainda ontem Augusto Santos Silva elogiava as reformas de Paulo Macedo, ilibando-os de quaisquer responsabilidades técnicas. Para Augusto Santos Silva Paulo Macedo foi competente e apenas tem a responsabilidade política. Quanto à causa de tanta competência ou às consequências da responsabilidades políticas por tanto morto nada disse.
  
Será que eliminar camas no Hospital Garcia da Horta é a mesma coisa que as parturientes de Elvas irem ser melhor tratadas em hospitais modernos do que continuarem a ter os partos em serviços ultrapassados? O ministro da Educação, outra figuraça deste governo, ainda teve a coragem de fechar escolas primárias cuja existência não fazia sentido, mas não me recordo de Paulo Macedo ter dado a cara sobre o que quer que fosse. Paulo Macedo tem feito na Saúde o que já tinha feito na ex-DGCI, aproveitou os processos em curso e geriu a propaganda em favor da sua imagem.
  
Uma das imagens que Paulo Macedo tem feito passar é a do combate aos interesses instalados nos medicamentos, enfrentando as farmacêuticas e combatendo a fraude. Acontece que nada isto é novo, foram governos anteriores que lançaram os genéricos e que implementaram a sua utilização e quanto a algumas investigações judiciais é mais do que óbvio que os primeiros casos começaram a ser investigados ainda o Paulo Macedo estava no BCP.
  
A segunda grande mentira da propaganda pessoal de Paulo Macedo é que fez mais ou, pelo menos o mesmo, com muitos menos recursos, com menos meios financeiros e com menos recursos humanos. Quanto aos meios financeiros um dia serão feitas as contas todas, a começar pelo impacto das medidas adoptadas no âmbito da ADSE que claramente favoreceram o sector privado, desviando muitos utentes do SNS. Mas recordemos alguns números de que Paulo Macedo não fala.
  
Em relação ao seu antecessor Paulo Macedo beneficiou de um corte de mais de 20% nas despesas salariais, um corte que não se traduziu em perda de qualidade pois os valores deontológicos dos médicos e enfermeiros não é pura propaganda como sucede com a mítica competência de Paulo Macedo. Paulo Macedo também beneficiou do maior aumento de recursos humanos a custo zero de que há memória não só no SNS como em todo o mundo. Além de beneficiar de cortes brutais nas despesas salariais Paulo Macedo ainda conseguiu aumentar o horário de trabalho de todo o pessoal em uma hora por dia. Se o SNS conta com 28.000 médicos basta fazer uma regra de três simples para se saber que o aumento de uma hora diária de trabalho sem qualquer compensação financeira se traduziu em mais 4.000 médicos, para não referir o impacto em pessoal de enfermagem e em pessoal auxiliar.
  
No centro de reabilitação onde estive um mês em 2013 estão a fechar camas, limitando o número de doentes do sul do país à reabilitação física. Aqui não se morre, não se tem direito às primeiras páginas dos jornais ou às aberturas dos telejornais, fica-se acamado e sofre-se em silêncio. O problema é que o abuso foi longe e começam a morrer portugueses nas urgências. É evidente que sempre se morreu nas urgências, mas nunca, nem mesmo num passado mais longínquo se morreu abandonado como um cão nas urgências portuguesas. Deixemo-nos de tretas e de acusações à troika que, como se sabe, tem as costas largas e paga por todas as sacanices desta gente, se isto acontece deve-se às opções de gestão e basta ver a administração do Garcia da Horta dizer que se vai resolver facilmente o problema com mais uma ou duas contratações para se ver que Paulo Macedo e os seus gestores ultrapassaram a linha que separa o poupar do abandonar.
  
Bastava observar com atenção as manobras do Paulo Macedo e as desculpas que tem vindo a dar para se perceber que há mais, muito mais do que responsabilidades políticas, aliás, às responsabilidades enquanto gestor de um sistema revela-se alguém que num dia diz uma coisa e no outro já diz outra. Começou por atribuir as culpas às empresas que não colocaram os médicos, depois o problema foi da gripe, a seguir houve um aumento inusitado dos internamentos, como se todas as enfermarias tivessem sido transformadas em enfermarias de pneumologia, agora a culpa é da falta de médicos, e o secretário de Estado Adjunto até já tentou fazer surf nos ataques à Ordem dos Médicos e na sua responsabilidade pelos entraves no acesso à profissão. A culpa é de tudo e de todos menos do brilhante, gestor digno de um Nobel, do competentíssimo Paulo Macedo.
  
Agora só falta acabar com o misto do Robin dos Bosques pois quem está a morrer nas urgências não são nem os donos das farmacêuticas nem das farmácias, são os pobres facilmente são transformados em estatísticas para que de uma forma manhosa se diga que é normal terem morrido 700 pessoas nas urgências, escondendo que o que não é normal é terem morrido quase uma dezena abandonados como se fossem cães. A verdade é que ao lado do SNS floresce um sector privado alimentado por uma classe média que foge do SNS gerido pelo competente Paulo Macedo.
  
Paulo Macedo lembra a velha anedota do compadre que aos poucos habituou o burro a passar sem comer e que ficou muito surpreendido porque quando o bicho já passavam sem ser alimentado morreu inesperadamente de fome.