O mínimo que se pode dizer da noite eleitoral na Grécia é que andamos todos um bocado parvos, só isso explica o facto de o país ter parado por causa de uma das muitas eleições gregas, bem como o chorrilho de asneiras que ouvimos de todas as partes, dos jornalistas aos comentadores, dos partidos do governo ao partidos da oposição.
O que aconteceu na Grécia foi uma vitória eleitoral de um cesto de partidos com as causas mais diversos unidos em torno da reestruturação da dívida e do fim da austeridade. Pela forma como muita gente reagiu até parece que toda a Europa delegou no eleitorado grego, mais precisamente nos pouco mais de 60% de eleitores gregos todas as decisões quanto ao futuro das políticas económicas da União Europeia.
Os resultados eleitorais foram um bom sinal para a Europa do Norte e obriga a uma reflexão em torno das consequências políticas de uma Europa que deixa de ser consensual para estar condicionada à geoestratégia da Alemanha e de alguns dos seus aliados do norte e do centro da Europa. Até agora a Alemanha tinha contado com governantes germanófilos nos países do sul em dificuldades financeiros, agora terá de se confrontar com uma nova realidade e dizer até onde está disposta a ir na imposição das suas teses a toda a zona do Euro.
A Alemanha percebeu e até a direita portuguesa parece ter acusado o golpe, que os povos também têm orgulho e a estratégia humilhante de gente como Passos Coelho, que passou por desprezar o seu próprio povo acusando-o dos piores defeitos para iludir as responsabilidades de um mau modelo de sistema monetários que favoreceu alguns países, pode ter como consequência a eleição de governos radicais. Agora o projecto europeu não está em risco apenas porque a Alemanha parece querer transformar a EU no seu IV Reich, também está em risco porque as ambições alemãs despertam forças políticas e feridas adormecidas.
Pensar que a Grécia encontrou a solução para serem outros a pagarem a sua dívida é uma ilusão, os gregos podem votar para escolher os seu governo e as suas políticas, não podem votar para impor aos outros países a solução que lhes é mais cómoda. É óbvio que hoje a dívida grega é a mesma de ontem com mais alguns trocos devido aos juros e que o Estado grego não dispõe de recursos para alterar significativamente a sua política.
Mais ridículo ainda é ver alguém por cá dizer com ar muito sério que o Syrisa estudou muito bem as soluções e que estas são igualmente aplicáveis a Portugal. Apetece perguntar à senhora do BE qual dos dois países não conhece, a Grécia ou Portugal. Comparar os problemas e soluções da Grécia com os de Portugal é a mesma coisa que comparar o rabo com as calças. É tão ridículo dizer como Passos que não como como os gregos, como dizer que o podemos ser, ainda que a versão de Passos vinda de um governante exceda tudo aquilo a que a dignidade exige.
Depois dos sorrisos de uma noite eleitoral em que o Syriza venceu as eleições a Europa tem o mesmo nó cego para resolver, como promover o crescimento com recursos escassos, com problemas estruturais por resolver e sem provocar uma crise financeira internacional de consequências imprevisíveis e provavelmente mais graves do que as que resultam da recessão. Ao contrário do que defende gente como Passos Coelho a solução da Europa não passa por condenar países como Portugal ou a Grécia com argumentos dignos de uma extrema-direita ideológica que adora culpar e condenar povos, passa necessariamente por soluções equilibradas que ajudem países como a Grécia e Portugal a saírem de um buraco que é hoje bem maior do que era há três anos.