terça-feira, agosto 23, 2011

A crise social eminente

Ao deixar de lado os ricos na hora de aplicar as medidas de austeridade o Governo parte do princípio de que o dinheiro dos poderosos é capital e enquanto tal deve ser preservado e o dinheiro dos pobres é mal gasto e mal ganho e, em consequência, pode ser saqueado a em das contas públicas, da competitividade e do crescimento económico. Não se devem tributar as mais-valias bolsistas mas, em contrapartida, deve aumentar-se o IVA sobre os produtos essenciais ou retirar metade do subsídio de Natal aos mais pobres. Até na hora de reduzir os custos das empresas se preconiza uma alteração das taxas do IVA.

Estamos perante uma política económica que considera que o consumo de bens de luxo não deve ser incomodado enquanto o consumo de bens essenciais deve ter uma tributação mais pesada, que os rendimentos do capital são mais saudáveis para a economia do que os rendimentos do trabalho mesmo quando mal remunerado e que os cidadãos não deverão ser iguais perante a política económica porque os ricos são mais necessários do que os pobres.

É uma política fácil que aposta na ilusão do crescimento económico a qualquer custa e que despreza qualquer princípio de equidade ou coesão social, aplica-se a uma crise do século XXI a receita que os Chicago Boys adoptaram para o Chile de Pinochet e os valores sociais do final do século XIX. Não admira que o governo se tenha apressado a adoptar um plano nacional de caridade cuja medida mais simbólica tenha sido o levantamento das exigências de higiene nas cantinas sociais. Perante o risco de uma crise social o governo em vez de reagir com medidas de coesão social adopta acções caritativas, aumenta os transportes mas promete compensar os mais pobres, aumenta a electricidade e o gás mas assegura que vai adoptar uma taxa caridosa para os mais pobres.

De uma forma manhosa aproveitou-se o período de férias para divulgar as medidas mais “brutais”, um adjectivo muito ao gosto de Vítor Gaspar e adoptou-se uma estratégia cobarde ao adoptar medidas cuja aplicação é adiada no tempo. Mas à medida que se aproxima a hora de as medidas brutais fazerem efeito sente-se no ar o receio de uma crise social, não admira que mesmo sem a ocorrência de qualquer incidente tenham aparecido alguns ideólogos do regime propondo as suas respostas a uma eventual crise social. Uns propõem a bordoada e manifestam-se preocupados com a eficácia das polícias (Alberto João e Moniz), outros recusam reivindicações de classe (D. José Policarpo) ignorando os grupos e classes cujos interesses foram protegidos, até o João Duque veio com o argumento intelectualmente mais brilhante, o de que não vale a pena protestar.

Veremos como o governo e todos estes ideólogos de pacotilha na hora da conflitualidade social vão explicar aos maus pobres que estão a pagar a dobrar para que os ricos fiquem fora da crise, como vão explicar às famílias que tiverem de entregar a casa ao banco que o palacete dos mais ricos escapou a mais impostos em nome do crescimento económico, como vão explicar aos que não tiverem dinheiro para comprar pão que os carros de luxo deveriam ficar isentos de qualquer aumento de impostos.

O grande problema desta política não está na brutalidade, reside sim no total desprezo pela coesão social, pela justiça e equidade e pela solidariedade social. Se explodirem conflitos socias o governo não terá com que se defender a não ser sugerindo aos pobres que se dirijam à sopa dos pobres onde poderão comer uma refeição quente feita sem controlo de higiene, com produtos fora do prazo. E se ficarem doentes que não se preocupem, terão direito a medicamentos no fim do prazo.