Em Portugal não há nem nunca houve uma política séria para deficientes, o ensino especial é recente e ainda vive em grande medida da solidariedade. Pior do que tudo isso, os portugueses revelam no seu dia a dia um total desprezo pelos deficientes, basta andar num qualquer passeio de uma zona de difícil estacionamento, entrar num qualquer edifício ou num serviço público, ou mesmo ir a uma qualquer página na Internet.
A condição do deficiente em Portugal nunca foi preocupação dos governos, nem deste nem dos anteriores, e quando adoptam medidas neste domínio fazem-no mais por obrigação e porque convém dizer que se fez alguma coisa, do que por convicção. Não entendo as manifestações de solidariedade que ouvi nos últimos dias, aliás, achei que foram motivadas por puro oportunismo.
A causa de tanta lamúria foi a alteração proposta no projecto de Orçamento, com a qual concordo na generalidade, ainda que não considere que tenha sido motivada por uma preocupação com os deficientes. Se o governo estivesse preocupado com os deficientes haveriam muitas mais medidas a adoptar, e não as vejo no projecto de Orçamento. Nas intervenções que ouvi esteve sempre presente uma confusão entre duas situações distintas, a do deficiente propriamente dito com o deficiente para efeitos fiscais.
Por deficiente entendo o cidadão portador de uma deficiência que o prejudica na sua actividade, a que os franceses designam por “handicapé”. Nestes casos o Estado e a sociedade deve fazer o possível para lhes proporcionar o acesso à formação e ao trabalho, na medida em que a sua deficiência é impeditiva de obter os meus necessários à sua subsistência com dignidade, deve proporcionar-lhes um nível mínimo de rendimentos.
Por deficiente para efeitos fiscais entendo alguém que é portador de uma deficiência, ou que o Estado o declarou como tal, que acede ao mercado de trabalho em condições de igualdade com os outros cidadãos, mas beneficia de uma declaração da condição de deficiente que usa apenas para obter benefícios fiscais. Por exemplo, ainda há alguns meses se falou de um juiz de um tribunal superior que tinha uma deficiência de 80%, isto é, um magistrado que chegou a um posto a que poucos magistrados podem ambicionar e, todavia, era deficiente, como é evidente, era um deficiente apenas para efeitos fiscais.
Uma situação comum, por exemplo, é a de algumas doenças com o cancro que dão automaticamente direito a uma deficiência de 80%. Se alguém é devidamente tratado, recebe o vencimento enquanto está de baixa, os tratamentos são pagos pelo Estado e só volta ao trabalho quando está curado, onde está a deficiência? Chegamos ao ponto em que temos uma tabela de deficiências e não existe qualquer relação entre as percentagens aí definidas e uma perda de rendimentos. Neste caso o benefício fiscal não visa compensar qualquer perda de rendimentos, e à "deficiência legal" não corresponde necessariamente qualquer deficiência física, limitadora das capacidades.
Posso ser acusado de economicismo, um "pecado" muito frequentemente atribuído nos dias que correm, mas é mesmo de rendimentos que estamos a falar quando alguém deixa de pagar impostos graças a uma deficiência que não o prejudica na sua actividade profissional.
A política fiscal é a solução mais idiota e injusta para abordar o problema da deficiência, ainda que alguns deficientes possam ser beneficiados e se batam por manter algumas regalias. Mas mais importante do que dispensar uns quantos de pagar impostos ou ajudar outros a comprar bons carros, é urgente uma política que torne os deficientes cidadãos iguais em direitos, e não é com benesses fiscais para alguns que isso se consegue.