«Todos sabem quão louvável é um príncipe ser fiel à sua palavra e
proceder com integridade e não com astúcia; contudo, a experiência
mostra que só nos nossos tempos fizeram grandes coisas aqueles
príncipes que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia,
souberam transtornar as cabeças dos homens; e por fim
superaram os que se fundaram na sua lealdade.»
O Príncipe, de Nicolau Maquiavel
A lei fiscal portuguesa contém várias normas destinadas a combater a fraude e evasão fiscais praticada através de paraísos fiscais. O dinheiro que circula nos paraísos fiscais é, não raras vezes, de fonte duvidosa – vários tipos de tráfico (de droga, prostituição, armas, etc.), bem como da fuga ao fisco e da corrupção.
Esse tipo de dinheiro refugia-se nos paraísos fiscais pela protecção que estes lhes garantem conta a investigação criminal, ali se misturam capitais em fuga das Administrações Ficais com dinheiros em busca de lavagem.
Ainda recentemente foi desencadeada em Portugal a operação Furacão, onde se detectou que alguns bancos incentivavam e praticavam fraude fiscal constituindo empresas em off shores para os seus melhores clientes, conseguindo através delas dissimular custos para abater aos lucros das tributados em Portugal. O Orçamento de Estado foi lesado num valor aproximado de 2.000 milhões de euros, segundo foi anunciado na altura pelo Ministério Público.
Pois bem, de forma surpreendente e inexplicável, o Governo prepara-se para baixar a carga fiscal às empresas com sede em off shores que obtenham rendimentos em Portugal.
«Nem nunca faltaram a um príncipe razões para colorir a sua falta à
palavra. Disto se poderiam dar infinitos exemplos modernos e mostrar
quantas pazes, quantas promessas ficaram írritas e nulas pela falta de
palavra dos príncipes; aquele que melhor soube proceder como a raposa,
melhor se houve. Mas é necessário saber bem colorir esta natureza e
ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão simples e
obedecem tanto às necessidades presentes que quem engana achará
sempre quem se deixe enganar.» in ob. cit.
palavra. Disto se poderiam dar infinitos exemplos modernos e mostrar
quantas pazes, quantas promessas ficaram írritas e nulas pela falta de
palavra dos príncipes; aquele que melhor soube proceder como a raposa,
melhor se houve. Mas é necessário saber bem colorir esta natureza e
ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão simples e
obedecem tanto às necessidades presentes que quem engana achará
sempre quem se deixe enganar.» in ob. cit.
Lendo o projecto de orçamento, verificamos que a taxa de IMI dos imóveis cujos proprietários tenham sede em paraísos fiscais, passa a ser de 1% ou 2%, consoante os casos. Só que essa taxa era, até agora, de 5%, e foi fixada por um Governo de direita e, tanto quanto se sabe, não houve manifestações públicas contra tal decisão.
Vá-se lá saber porquê, o governo pretende baixar para menos de metade a taxa de IMI a estas empresas, que se sabe serem dominadas por pessoas com elevados rendimentos em Portugal.
Mas o escândalo não se fica por aqui. Ao mesmo tempo que se baixa para menos de metade o IMI que os mais espertalhões dos portugueses vão pagar, baixa-se também o IMT (a antiga Sisa) que essas mesmas empresas de off shore pagam quando adquirem prédios em Portugal. A taxa de IMT que essas empresas passam a pagar pela aquisição de imóveis em Portugal passa a ser de 8%. Actualmente é de 15%. Uma redução para quase metade!
Fica assim completo o puzzle. Uma empresa com sede num off shore, quando compra um prédio em Portugal, pagava até agora 15% do valor do prédio, de IMT, a partir do próximo ano pagará apenas 8%. Pagava anualmente IMI a uma taxa de 5%, a partir do próximo ano pagará apenas 2% ou 1%.
Eu também não queria acreditar quando me contaram, mas está tudo na proposta de lei do OE 2007, nas páginas 107 e 116, nas alterações aos artigos 112º e 17º dos Códigos do IMI e do IMT.
Para estas empresas, as da operação Furacão e as utilizadas por uns senhores que se dedicam em Portugal aos diversos tipos de tráfico e à fraude fiscal, a crise acabou, como diria o ministro Pinho, e não me admiraria nada que viesse um qualquer secretário de Estado dizer-nos que a culpa destes favores fiscais é dos contribuintes, e talvez tivesse razão, os contribuintes portugueses parecem ovelhas mansas numa sala de ordenha.
O governo é generoso e baixa os impostos aos ricos, e como pode baixar o défice? É simples, se uns pagam pouco terão que ser os outros a pagar mais, terão que ser os mais pobres a pagar os impostos que o Governo perdoa aos mais ricos, e, como se viu recentemente, perdoa das mais diversas formas.
«Deve ter-se presente que um príncipe, e sobretudo um príncipe novo, não pode
observar todas aquelas coisas pelas quais os homens têm fama de bons, tendo mesmo
necessidade, para manter o Estado, de proceder contra a fé, contra a caridade,
contra a humanidade, contra a religião. E preciso mesmo que tenha o ânimo
disposto a mudar segundo o que lhe mandem os ventos e as variações da
fortuna e, como acima disse, não se separar do bem podendo fazê-lo, mas saber entrar
no mal se for necessário.» ob. cit.
observar todas aquelas coisas pelas quais os homens têm fama de bons, tendo mesmo
necessidade, para manter o Estado, de proceder contra a fé, contra a caridade,
contra a humanidade, contra a religião. E preciso mesmo que tenha o ânimo
disposto a mudar segundo o que lhe mandem os ventos e as variações da
fortuna e, como acima disse, não se separar do bem podendo fazê-lo, mas saber entrar
no mal se for necessário.» ob. cit.
Aliás, a afirmação do ministro de que vai adoptar medidas para que os bancos passem a pagar mais impostos é sinal da injustiça que está a ser cometida, os impostos que os do costume vão pagar estão previstos o Orçamento, as medidas para os bancos pagarem o que pagam as outras empresas ainda vão ser estudadas. Parece que para aumentar impostos aos mais sacrificados, pobres e classe média, não são necessários estudos, mas para que os bancos paguem mais qualquer coisinha é necessário estudar melhor.
Mas o esforço intelectual vque parece ser necessário para levar os bancos a pagar mais não foi necessário para perdoar impostos às off shores, e quando algum funcionário se lembra de aplicar a lei (como foi noticiado recentemente) vem um despacho do secretário de Estado dizer que o coitado do banco enganou-se de boa fé, portanto, fica perdoado, e como o Governo é simpático e generoso só terá que pagar o tal imposto a partir do próximo ano.
«Faça, pois um príncipe por vencer e por manter o seu Estado; os meios serão
sempre julgados honrosos e de todos louvados. Porque o vulgo deixa-se sempre
levar pela aparência e o sucesso das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os
poucos só têm lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se. Há presentemente
um príncipe, que não quero nomear 1, que só prega paz e boa fé e é inimicíssimo
duma e doutra; e se fôsse a observar uma e outra, muitas vezes lhe teria
prejudicado a reputação ou o Estado.»
sempre julgados honrosos e de todos louvados. Porque o vulgo deixa-se sempre
levar pela aparência e o sucesso das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os
poucos só têm lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se. Há presentemente
um príncipe, que não quero nomear 1, que só prega paz e boa fé e é inimicíssimo
duma e doutra; e se fôsse a observar uma e outra, muitas vezes lhe teria
prejudicado a reputação ou o Estado.»
ob. cit.
Para terminar deixo uma dúvida: se ninguém defendeu em públicos a redução dos impostos sobre o património nas operações realizadas através das off-shores, como é que aparecem no Orçamento? Trata-se de um gesto simpático de algum governante ou há reduções de impostos decididas sem qualquer debate público, no segredos dos gabinetes?
Concluímos pela pena do fundador da Ciência Política, Aristóteles:
Todo o Estado, ou sociedade política, se compõe de três partes ou classes de cidadãos: os que são muito ricos, os que são muito pobres e, enfim, aqueles que se encontram numa condição média, ou intermediária, entre os dois primeiros. (É essa classe média que dá as maiorias sociológicas ao PS ou ao PSD em Portugal, acrescentamos nós).
Tratado da Política, Aristóteles, Livros IV, Capít. XV - DA SUBVERSÃO E DA CONSERVAÇÃO DOS GOVERNOS