Ao ouvir hoje de manhã Jerónimo de Sousa a afirmar que as manifestações não pretendiam derrubar o Governo mas sim forçá-lo a mudar de política fiquei por momentos estupefacto, o líder de um partido que representa 7,54 % dos votos não só chama a si a interpretação dos desejos dos manifestantes sindicais, como acha que essas manifestações têm maior legitimidade o que as eleições legislativas e o parlamento.
Mas não são as declarações de Jerónimo de Sousa que me preocupam, todos sabemos que ele está convencido que é o líder dos trabalhadores portugueses, e que o “papel de vanguarda do Partido” decorre “da capacidade de organizar e de dirigir a luta popular em ligação permanente, estreita e indissolúvel com as massas, mobilizando-as e ganhando o seu apoio”.
Mas o que me preocupa não é Jerónimo de Sousa, até porque ainda ontem Luís Filipe Menezes sugeria ao PSD a apresentação de uma moção de censura ao Governo, dias antes da discussão do Orçamento. O que me preocupa é que trinta anos depois de adoptada a Constituição os políticos portugueses ainda considerem que levar uma legislatura até ao fim seja a excepção, ou que os deputados do parlamento nada representem face a manifestações.
Por isso jornalistas, políticos e opinion makers se esquecem rapidamente que quem representa o povo português está no parlamento e não na Avenida da Liberdade e a legitimidade dos mandatos dos deputados decorre dos votos em eleições e não de sondagens, e a não ser que se verifiquem condições muitos especiais essa legitimidade é inquestionável.
Jerónimo de Sousa, Alberto João, Luís Filipe Menezes e muitos outros políticos portugueses, do partido do Governo ou dos partidos da oposição, deviam aprender que a Constituição da República não é para aplicar apenas quando lhes convém.