Um dos aspectos mais interessantes do debate sobre se deverá ou não ser construído um novo aeroporto ou onde esse aeroporto deve ficar localizado é a forma esse mesmo debate é feito. Em trinta anos de democracia poucas foram as questões que suscitaram tanta discussão, recordo-me, a título de exemplo, do problema do aborto ou, em tempos mais recuados, da unicidade sindical, quando o PCP sonhou com o controlo total e absoluto dos sindicatos.
Seria interessante se os nossos sociólogos, politólogos e outros cientistas do tipo “ólogos” estudassem este fenómeno pois revela não só o estado da nossa democracia como a forma de intervenção dos seus diversos agentes, desde a actuação do Governo às intervenções subtis do Presidente da República, do empenho de alguns partidos até à cambalhotas de Marques Mendes, da independência de jornais como o Público à generosidade de alguns empresários que financiam estudos em que a única condição é que apontem para esta ou aquela localização.
De repente todos os portugueses, do mais comum dos cidadãos ao estagiário da estação de televisão, são autênticos especialistas na arte de construir e decidir a localização de aeroportos. Apoiados nos mais diversos especialistas, desde ambientalistas a engenheiros de hidráulica, todos sabemos da matéria e temos opinião definida. Não faltam as sondagens e os que defendem um referendo, as próprias televisões vão às aldeias das localizações possíveis perguntar aos que passam na rua sobre o que pensam do assunto.
Talvez seja tempo de dar um passo em frente e passar a uma democracia em tempo real, com o recurso aos meios existentes já é possível decidir em cada momento o que o povo quer. Se os agricultores conseguiram solicitar as ajudas agrícolas através da Internet, porque não decidir tudo e mais alguma coisa num referendo permanente online. Poderíamos, por exemplo, estabelecer um dia semana para as decisões, na próxima segunda-feira decidiríamos o aeroporto, na seguinte, o destino a dar à senhora da DREN e a pena a aplicar ao Charrua, depois poderíamos resolver o problema da flexisegurança.
O empresários financiariam os estudos, os jornais divulgariam, as televisões debateriam, os cidadãos votariam , o governo decidiria e Marques Mendes entreteria. No fim, que fosse o que Deus quiser.