sexta-feira, junho 22, 2007

A little URSS da Função Pública

«O Governo quer assim cruzar dados tão díspares como a nacionalidade, residência e estado civil dos funcionários, os benefícios sociais a que têm direito, os rendimentos declarados, o património que possuem ou a situação escolar dos seus filhos. Para que tal seja possível, as bases de dados que poderão ser consultadas vão desde os registos da Caixa Geral de Aposentações (CGA), aos da ADSE ou do fisco. Tudo para atingir três objectivos: "controlo do cumprimento das obrigações contributivas; atribuição rigorosa das prestações sociais; prevenção e combate à fraude e evasão contributiva", lê-se no anteprojecto de diploma.» [Público]


Se a URSS ainda existisse proporia que ao ingressar na função pública qualquer cidadão português acedesse de imediato à nacionalidade soviética com direito, reservando às chefias a condição de membros do PCUS. A administração pública portuguesa é a organização com a cultura, mentalidade, métodos de gestão e líderes que mais se aproxima daquilo que foi a ex-URSS.

E ao contrário do que se possa pensar o actual governo não está a aproximar os modelos de gestão do Estado aos do sector privado, faltava o fosso entre dirigentes e funcionários que foi criado com o processo de proletarização dos funcionários comuns e mecanismos de enriquecimento e protecção curricular que asseguram que os eleitos pelo poder para as funções de chefia beneficiam de um estatuto de elite independentemente das suas competências para o exercício do cargo, a função de chefia não emana da excelência no exercício de funções de gestão mas sim do facto de se pertencer a uma casta eleita. Se for burro o INA encarrega-se de lhe dar um currículo digno de uma equivalência a um MBA.

Portanto, não me admira que nesta little URSS os funcionários que foram proletarizados por uma legislação que visa equipará-los ao pior do sector privado, passem a constar de bases de dados que asseguram que cumprem com todas as suas obrigações. Depois de lhes terem sido retirados direitas impunha-se garantir que cumpram as suas obrigações, decidiu-se legislar no sentido de criar uma base de dados que só não controla o consumo de óvulos e espermatozóides dos funcionários públicos.

Os funcionários podem ser mal pagos, maltratados, humilhados, desvalorizados, enganados, gozados, despedidos, mas deverão ser cidadãos exemplares no cumprimento das suas obrigações e por isso cria-se legislação especial para eles no pressuposto de que sendo o Estado a pagar-lhes deve haver a certeza de que são cumpridores.

Temos, portanto, dois modelos em matéria de controlo de cumprimento das obrigações de cidadania. Em relação aos funcionários públicos o Estado assegura-se de que estes cumprem com as suas obrigações, procede a um controlo a anteriori. Em relação aos outros cidadãos o controlo é feito seguindo as regras normais, é feito a posteriori.

Na little URSS o Estado controla toda a vida dos seus funcionários, o facto de serem pagos por esse mesmo Estado torna-os cidadãos soviéticos.
Resta-me fazer uma pequena pergunta ao Governo: os políticos, que também são pagos pelo Estado, vão ser sujeitos às mesmas regras?