Numa semana em que se soube que O Jumento passou a ter ficha na Interpol e que, numa tentativa vã de identificar os seus autores, a Inspecção-Geral de Finanças devassou dezenas ou mesmo centenas de milhares de mails de cidadãos convencidos que tinham um constituição democrática respeitada pelo governo, pelas polícias e pelos mangas de alpaca do Estado, O Jumento dez cinco anos.
Nestes cinco anos O Jumento sobreviveu a três governos, a quatro ministros das Finanças, a três directores nacionais da PJ, a dois inspectores-gerais de Finanças, a três directores-gerais dos Impostos, dois Presidentes da República, quatro líderes do PSD, dois do CDS e dois do PS. A tentativa de vingança do dr. Macedo e a imposição de censura por parte de gente que gosta pouco de ser criticada não foram suficientes para calar O Jumento.
O Jumento tem todos os defeitos que um blogue pode ter, o seu autor despreza o poder e as mordomias inerentes, diz o que pensa, critica quem entende que merece ser criticado, não tem medo dos poderes instituídos, leva a sério os direitos constitucionais de liberdade de pensamento e de expressão. Está ao abrigo da influência das agências de comunicação, não está à venda, não troca a liberdade pessoal por um alto cargo do Estado, em suma, nem tem medo nem está à venda.
Foram cinco anos de uma caminhada solitária, com a solidão quebrada apenas pela caixa de comentários e pelos mais que os visitantes, portugueses de todo o mundo, me vão mandando. Foram muitos os momentos em que o cansaço me levou à beira de acabar, mas logo um qualquer governante ou político me dava uma boa razão para prosseguir.
Não é agora que já fui afastado de propostas para cargos por ser blogger, que já tenho ficha na Interpol e que prescindi de tanto tempo que vou desistir. O Jumento continua a falar, não vai entrar na Cartuxa nem fazer votos de castidade vocal como a líder do PSD.
O nome escolhido para este blogue - O Jumento - inspirou-se na teimosia que caracteriza este animal, que na versão de quatro paras (e apenas nesta) está em extinção em Portugal e num conto de Guerra Junqueiro na sua "VIagem à parvónia":
A cena passa-se numa arcada do Terreiro do Paço onde chega um JUDEU ERRANTE que aparece montado num burro.
Depois de várias peripécias, a cena termina com o seguinte diálogo:
CICERONE: Então amigo já tem hospedaria? Precisa de escovas para o cabelo ? Quer a pasta da Justiça? Quer que lhe leve as malas ou quer a carta do Conselho? Olhe, ali na Rua do Arsenal há cigarrilhas espanholas magníficas, mas se quer o hábito de S.Tiago também se lhe arranja: isto aqui é só pedir por boca. Não tem senão escolher ou vai para Rua dos Vinagres ou então, se lhe faz mais jeito, pode meter-se no Tribunal de Contas. No Conselho de Estado não há agora vaga. Prefere ser guarda-nocturno? Visconde não é mau, mas guarda a cavalo é melhor. Escolha : deseja empenhar a consciência, deseja empenhar o relógio? Pretende ser deputado? Pelo governo custa-lhe 300 libras, pela oposição 200. Quer casar, quer ser da irmandade dos Terceiros? quer elogios nos jornais? Ou antes pelo contrário não quer nada disto e deseja ser apenas um brasileiro rico e bem conceituado na sua freguesia? Porque não me fica com este décimo da lotaria de Espanha e com esta comenda de Isabel a Católica? São amba s do Fonseca! Vamos decida-se: o senhor precisa por força de alguma coisa.
Aqui tem uma pomada para fazer cair o cabelo e os ministérios; aqui tem cartas de conselho, títulos da dívida infundada, baralhos de cartas, fluídos transmutativos, microscópios para ver pulgas e grandes homens; títulos para deitar nódoas e sabonetes para as tirar; enfim, aqui tem nesta drogaria diabólica, tudo quanto é preciso para levar um homem desde a imortalidade até à polícia correccional!
JUDEU: (Entusismado) Heureca, achei o meu homem! O Cicerone que eu há tanto tempo! (dando-lhe o braço) Vamos dar um passeio pela Parvónia.
CICERONE: A primeira coisa que há a fazer, para obter tudo o que quiser, eu lha digo já, - entretanto será sempre bom disfarçar o nome e a cara. Agora para abrir caminho e conseguir tudo, absolutamente tudo, deve propor-se a deputado. As eleições estão à porta.
JUDEU: Mas se eu não souber ler e escrever?
CICERONE: Melhor! pode contar já com a eleição; não há tempo a perder, vamos à igreja.
JUDEU: (Detendo-se.) Mas o demónio é o burro! aonde é que havemos de guardar este jumento?
CICERONE: Não tem dúvida( chamando um garoto). Olha, vai-me meter este burro no Tribunal de Contas (saem de braço dado).
NOTA 7
A intenção do autor da Viagem à Roda da Parvónia, enviando a repousar no remanso do Tribunal de Contas um personagem tão fracamente classificado no reino animal, não foi lançar um vitupério sobre aquela digna repartição, que não mereceria decerto mais do que outras um tão lancinante epigrama. No Tribunal de Contas jazem conselheiros, senhores oficiais de repartição e amanuenses, de juízo atilado e porte digno, mas como por outro lado aquela serena mansão é a aspiração comum de todos os políticos da Parvónia, sábios e ignorantes, de orelhas mínimas, de orelhas grandes, parece concluir-se daí que entre um burro e tão digno tribunal não há incompatibilidade de maior importância.