Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
António Aleixo
De tudo o que ouvi sobre o processo BPN resultam várias constatações:
Primeira: que Vítor Constâncio actuou a reboque dos acontecimentos intervindo in extremis, isto é, quando essa intervenção era inevitável porque os factos estavam à beira do conhecimento público. Aliás, esta ausência de intervenção do regulador já tinha sido evidente no Millennium, para não referir a complacência do Banco de Portugal perante as muitas diatribes que a banca tem feito aos seus clientes.
Esta benevolência de Vítor Constâncio com os banqueiros contrasta com as suas intervenções em apoio do apertar do cinto. Vítor Constâncio tem-se empenhado mais em que os portugueses ganhem mal, para não dizer ainda pior, do que com a forma como se ganha na banca.
Segunda: que enquanto o ministro das Finanças tranquilizava os portugueses porque o sistema financeiro estava de boa saúde, a crise não tinha passado para cá de Badajoz, o seu colega da pasta do Trabalho retirva 300 milhões do BPN. Isto é, enquanto alguns portugueses eram ludibriados pelo BPN, investindo neste banco, o Governo punha o dinheiro da Segurança Social em local seguro.
Terceira: Que apesar de serem evidentes os sinais de crise no BPN e enquanto o Estado retirava o dinheiro da Segurança Social CGD financiava aquele banco em 200 milhões de euros que dificilmente recuperaria. Nunca saberemos se esta decisão foi da CGD ou nela interveio o Governo.
Num país a sério Constâncio só não era demitido porque. Muito provavelmente, evitaria tal humilhação avançando ele próprio com o seu pedido de demissão. Mas o presidente da CGD também teria que explicar as razões da sua decisão e se não as tivesse seguiria o caminho do governador do Banco de Portugal. Por sua vez o ministro das Finanças teria que explicar muito bem se a decisão do seu colega do Trabalho foi mera coincidência ou se o discurso público diferiu do privado.
Quais os accionistas ou depositantes do BPN que puseram o seu dinheiro a salvo antes da nacionalização? Quantos portugueses depositaram dinheiro no BPN ou compraram acções deste banco confiando nas afirmações do ministro das Finanças? Muito provavelmente nunca o saberemos.
O que sabemos é que em Portugal não temos um “sistema financeiro”, o que temos é um “sistema” se usarmos a linguagem do futebol, ou, muito simplesmente, um “esquema”. Um esquema que vive de compadrios, da promiscuidade com o poder político, do uso e abuso da informação privilegiada.
À custa dos lucros da banca vive uma imensa procissão de políticos que ocupam cargos não executivos nos diversos órgãos de gestão dos bancos e da imensidão de empresas em cujo capital estes participam, de assessores e consultores, de conselheiros fiscais, de “professores de fiscalidade”. Todos juntos controlam uma boa parte do Estado e da Administração Pública, fazem leis, adaptam interpretações jurídicas e, se for mesmo necessário, derrubam ou ajudam a derrubar primeiros-ministros.
Puxem pela ponta da meada do BPN e vão ver quantos nomes aparecem…
Toda esta pouca-vergonha num país onde um salário mínimo mal dá para pagar um infantário e onde muitos portugueses se interrogam sobre o que vão dar de comer aos filhos no dia seguinte, os mesmos portugueses que já ouviram Constâncio dizer que a bem das empresas devem continuar a passar fome e, se necessário, ainda mais fome.
Algo tem que mudar neste país enquanto houver tempo, a exibição de riqueza, o oportunismo generalizado, o abuso, estão condenado Portugal ao subdesenvolvimento, só para que algumas supostas elites continuem a enriquecer à custa dos mais pobres.